20 de novembro de 2015 | 02h55
Groffman acha que a degradação dos solos é um “desastre em câmera lenta”. Porque um grama de solo pode conter até 100 milhões de bactérias, 10 milhões de vírus, 1.000 fungos e outras populações em meio a plantas que se decompõem. O solo não só nutre ou faz crescer nossos alimentos, como é a fonte de quase todos os antibióticos que existem – pode ser nossa maior esperança na luta contra bactérias resistentes a antibióticos. O solo é ainda o maior repositório de carbono – três vezes mais que a atmosfera – vital, portanto, na área do clima. E sofre porque os humanos não lhe devolvem partes não consumidas de colheitas, que deveriam ajudá-lo a repor nutrientes.
Sabendo disso, é penoso trafegar entre números divulgados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), quando diz (5/11) que cerca de 50% dos solos na América Latina e no Caribe sofrem com deficiência de nutrientes; a degradação afeta até metade do território de alguns países dessas áreas, com 150 milhões de pessoas. No total, 14% dos territórios, principalmente com erosão. Isso impedirá que se cumpra o objetivo de erradicar a fome nessas partes do continente até 2025. Agora, aprovou-se na Aliança Sul-Americana pelo Solo um plano para uso e manejo sustentável do solo, capaz até mesmo de ajudar na área de mudanças climáticas.
Alguns dos caminhos propostos pela Aliança para a área amazônica incluem a fiscalização sobre o uso da terra, sobre a contaminação dos solos em zonas dedicadas às atividades da extração de petróleo e sobre mudanças no uso do solo para ampliar a fronteira agrícola. Na área do clima, impedir que certos usos do solo impeçam a armazenagem de carbono.
Todas essas informações vêm no momento em que acaba de se realizar em Ancara, na Turquia, mais uma reunião – que passou praticamente despercebida na comunicação brasileira – da Convenção de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas. Representantes de 192 países estavam lá, discutindo caminhos para impedir a desertificação. E tomando conhecimento de soluções úteis, como as cisternas de placa e as microbarragens para armazenamento de água na temporada das chuvas e seu uso durante a estiagem – como se tem feito no Semiárido brasileiro (mais de 1,3 milhão de cisternas já entregues) e tem sido comentado neste espaço.
Felizmente, alguns outros passos têm sido dados, como os de recuperação de nascentes no Estado de São Paulo, acoplada à recuperação de vegetação, buscando compatibilizá-la com a produção agrícola, a readequação de estradas rurais e a conservação do solo. O primeiro projeto é realizado na cidade paulista de Holambra, onde 101 propriedades rurais poderão regenerar a vegetação nativa e o entorno de 170 nascentes e matas ciliares, além de recuperar áreas degradadas e instalar sistemas para captar e armazenar água das chuvas.
Todas essas coisas, porém, ocorrem simultaneamente com tentativas em curso de aprovar no Brasil legislação para uso de produtos transgênicos – na mesma hora em que a União Europeia – incluindo Alemanha, França, Itália, Escócia, País de Gales, Irlanda do Norte (ao todo, 19 países) – acaba de decidir a proibição do plantio de alimentos geneticamente modificados (New Scientist, 10/10), inclusive pelos problemas no solo.
No nosso Congresso, que já autorizou a retirada do símbolo de alimento transgênico do rótulo de produtos que o contenham, a bancada ruralista tenta agora (eco-finanças, 13/11) aprovar projeto (PL 1.117/15) que modifica a Lei de Biossegurança e transforme o Brasil no primeiro país a legislar em favor do cultivo comercial de plantas propositalmente estéreis – afrouxando, assim, a proibição às chamadas sementes Terminator e representando uma ameaça à biodiversidade local. Essas sementes se tornam estéreis a partir da segunda geração, inclusive em plantações de cana-de-açúcar e eucalipto – após autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Têm sido fortes as críticas de ambientalistas a esse projeto, no Brasil e fora, bem como à possibilidade de contaminação, até na Amazônia, negada pelos defensores desse caminho. Um dos críticos diz que “essas sementes poderão provocar um armagedon na agricultura brasileira” – com os pequenos agricultores impossibilitados de guardar sementes para o plantio seguinte e vendo os custos nessa área passarem a cada ano de R$ 162 milhões para R$ 1,17 bilhão (com a multiplicação dos lucros do cartel de empresas que domina a comercialização das sementes).
Seja como for, é mais uma área em que tudo se discute e decide sem atenção maior ao ângulo da conservação do solo – crucial no mundo. O estudo publicado pela New Scientist quantifica prejuízos com solo fértil perdido: US$ 44 bilhões com a erosão nos Estados Unidos, 233 milhões de libras no Reino Unido com o solo degradado armazenando menos á água e gerando fluxo menor, e US$ 40 bilhões na África com maior importação de alimentos por causa da produção menor nos solos degradados. Quanto será no Brasil?
* WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA. E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
Encontrou algum erro? Entre em contato