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O STF e a Emenda do Calote

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Por Redação
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Movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, pela Associação Nacional dos Servidores do Judiciário, pela Confederação Nacional dos Servidores Públicos, pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e pela Ordem dos Advogados do Brasil, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a Emenda Constitucional (EC) n.º 62, que estabeleceu novas regras para o pagamento dos precatórios, conta agora com o apoio da Procuradoria-Geral da República.Os precatórios simbolizam o desrespeito do poder público à Justiça e aos credores. Instados a pagar os precatórios alimentares, relativos a salários não pagos ou a indenizações por morte e incapacidade, e os precatórios não alimentares, referentes a desapropriações, os municípios, Estados e a União habituaram-se a ignorar as ordens judiciais. Há casos em que o atraso nos pagamentos é superior a 25 anos. A EC n.º 62 já nasceu torta, para atender exclusivamente aos interesses do poder público. Ela estabelece limites absurdamente baixos para o pagamento dos precatórios. Pela Emenda, nas Regiões Sul e Sudeste os Estados deverão reservar 2% da receita corrente líquida para a amortização dos débitos judiciais, e nas demais regiões o porcentual é de 1,5%. No parecer que enviou ao ministro Ayres Britto, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, forneceu argumentos que reforçam ainda mais a tese de que a EC n.º 62 fere a Constituição. Ele lembrou que a Emenda tramitou de forma irregular no Congresso. Para ser aprovada, uma emenda constitucional precisa ser votada duas vezes, na Câmara, e outras duas, no Senado. E, entre os dois turnos de votação, em cada Casa Legislativa, exige-se um intervalo de cinco dias. "Não houve intervalo algum", lembra Gurgel.Em seu parecer, ele também afirma que, ao ampliar os prazos para que os municípios, Estados e União paguem suas dívidas judiciais, a EC n.º 62 acabou institucionalizando uma cultura de desrespeito aos mais elementares direitos de cidadãos e empresas com relação ao poder público e de desprezo às determinações da Justiça. Segundo Gurgel, o prazo para o pagamento dos precatórios, que já havia sido alongado em oito anos, com a EC n.º 62 foi esticado para 15 anos. Na prática, "isso estende o pagamento dos precatórios para a eternidade", diz Gurgel. Segundo as entidades que impetraram a Adin, depois que passaram a invocar o risco de desorganização das finanças públicas como justificativa para o não pagamento de seus débitos judiciais, sem que os tribunais pudessem aplicar sanções como o sequestro de parte de suas receitas, os municípios, os Estados e a União passaram a considerar o calote uma prática normal. "O governante poderá desapropriar imóveis, prejudicar adversários políticos, e o custo vai ficar para seus bisnetos", afirmou a OAB quando a EC n.º 62 foi aprovada com o desrespeito ao processo legislativo. Em seu parecer, Gurgel endossou o argumento. Até hoje não se sabe o montante exato das dívidas judiciais não pagas pelo poder público. Durante a votação da EC n.º 62, no ano passado, a estimativa era de que o valor total dos precatórios ultrapassaria R$ 100 bilhões. Para fundamentar seu voto, o ministro Ayres Britto solicitou aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais informações sobre os valores que já foram pagos nos últimos anos pelos Estados e municípios e o montante das dívidas pendentes, vencidas e a vencer. As entidades que arguiram a inconstitucionalidade da EC n.º 62 pediram ao STF que concedesse liminar suspendendo os efeitos desse texto legal durante o período em que ela estivesse sendo julgada. Como o problema existe há anos e o montante dos precatórios cresce como bola de neve, Britto optou por levar a Adin à votação de plenário rapidamente, dispensando a análise da liminar. Vamos esperar que o julgamento marque o fim do calvário dos credores de precatórios, vítimas da má-fé dos governantes, que são os mentores da Emenda do Calote.