16 de outubro de 2010 | 00h00
Os precatórios simbolizam o desrespeito do poder público à Justiça e aos credores. Instados a pagar os precatórios alimentares, relativos a salários não pagos ou a indenizações por morte e incapacidade, e os precatórios não alimentares, referentes a desapropriações, os municípios, Estados e a União habituaram-se a ignorar as ordens judiciais. Há casos em que o atraso nos pagamentos é superior a 25 anos.
A EC n.º 62 já nasceu torta, para atender exclusivamente aos interesses do poder público. Ela estabelece limites absurdamente baixos para o pagamento dos precatórios. Pela Emenda, nas Regiões Sul e Sudeste os Estados deverão reservar 2% da receita corrente líquida para a amortização dos débitos judiciais, e nas demais regiões o porcentual é de 1,5%.
No parecer que enviou ao ministro Ayres Britto, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, forneceu argumentos que reforçam ainda mais a tese de que a EC n.º 62 fere a Constituição. Ele lembrou que a Emenda tramitou de forma irregular no Congresso. Para ser aprovada, uma emenda constitucional precisa ser votada duas vezes, na Câmara, e outras duas, no Senado. E, entre os dois turnos de votação, em cada Casa Legislativa, exige-se um intervalo de cinco dias. "Não houve intervalo algum", lembra Gurgel.
Em seu parecer, ele também afirma que, ao ampliar os prazos para que os municípios, Estados e União paguem suas dívidas judiciais, a EC n.º 62 acabou institucionalizando uma cultura de desrespeito aos mais elementares direitos de cidadãos e empresas com relação ao poder público e de desprezo às determinações da Justiça. Segundo Gurgel, o prazo para o pagamento dos precatórios, que já havia sido alongado em oito anos, com a EC n.º 62 foi esticado para 15 anos.
Na prática, "isso estende o pagamento dos precatórios para a eternidade", diz Gurgel. Segundo as entidades que impetraram a Adin, depois que passaram a invocar o risco de desorganização das finanças públicas como justificativa para o não pagamento de seus débitos judiciais, sem que os tribunais pudessem aplicar sanções como o sequestro de parte de suas receitas, os municípios, os Estados e a União passaram a considerar o calote uma prática normal. "O governante poderá desapropriar imóveis, prejudicar adversários políticos, e o custo vai ficar para seus bisnetos", afirmou a OAB quando a EC n.º 62 foi aprovada com o desrespeito ao processo legislativo. Em seu parecer, Gurgel endossou o argumento.
Até hoje não se sabe o montante exato das dívidas judiciais não pagas pelo poder público. Durante a votação da EC n.º 62, no ano passado, a estimativa era de que o valor total dos precatórios ultrapassaria R$ 100 bilhões. Para fundamentar seu voto, o ministro Ayres Britto solicitou aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais informações sobre os valores que já foram pagos nos últimos anos pelos Estados e municípios e o montante das dívidas pendentes, vencidas e a vencer.
As entidades que arguiram a inconstitucionalidade da EC n.º 62 pediram ao STF que concedesse liminar suspendendo os efeitos desse texto legal durante o período em que ela estivesse sendo julgada. Como o problema existe há anos e o montante dos precatórios cresce como bola de neve, Britto optou por levar a Adin à votação de plenário rapidamente, dispensando a análise da liminar. Vamos esperar que o julgamento marque o fim do calvário dos credores de precatórios, vítimas da má-fé dos governantes, que são os mentores da Emenda do Calote.
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