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O Supremo e as sacolas

As tensões sociais que o momento político gera e os conflitos entre instituições e entes federativos impõem uma atuação firme e austera do STF

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Por Redação
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Um observador desavisado que acompanhasse a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira, 24 de outubro, diria se tratar da mais alta instância do Poder Judiciário de um país idílico, uma ilha de paz e prosperidade livre de questões públicas mais prementes. Um país tão enfadonhamente avançado que pode até mesmo se dar ao luxo de ver os juízes de sua Corte Suprema se ocupando de questões comezinhas da municipalidade.

Por maioria de votos (6 a 4), o plenário do STF decidiu que os municípios não podem editar leis que obriguem os supermercados a contratar empacotadores. A decisão foi proferida em Recurso Extraordinário (RE) interposto pela prefeitura de Pelotas (RS), que questionava uma decisão do Tribunal de Justiça gaúcho que declarou inconstitucional a lei estadual que obrigava supermercados e estabelecimentos congêneres a prestarem o serviço de empacotamento de compras.

Merece destaque um trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski, que acabou vencido junto com os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Celso de Mello. “Certa feita, estava no mercado e uma velha senhora pagou os produtos e na hora de empacotar ficou sem nenhum auxílio. Deram pilhas de saquinhos que são extremamente difíceis de serem abertos, como todos sabemos, e a senhora ficou atrapalhadíssima e criou uma fila”, disse o ministro.

É provável que o distinto leitor já tenha passado pelo mesmo dissabor da “velha senhora”. Entretanto, se O STF pretende tratar de auxílios, talvez fosse o caso de julgar de uma vez por todas a constitucionalidade da dadivosa concessão do auxílio-moradia a membros do Poder Judiciário e do Ministério Público não elegíveis ao penduricalho mensal de mais de R$ 4 mil por serem proprietários de imóveis nas comarcas em que trabalham.

Se a dificuldade para abrir as sacolas plásticas nos supermercados pode, de fato, causar algum tipo de prejuízo aos consumidores, trata-se de prejuízo de tempo, quando muito. Já os constantes adiamentos para que o STF enfrente o tema do auxílio-moradia pago a seus colegas de Poder e ao Ministério Público geraram aos contribuintes, até o momento, um ônus de mais de R$ 1,5 bilhão. E a conta não para de chegar.

A questão do auxílio-moradia é apenas uma das muitas pautas urgentes que esperam uma palavra final do STF. Há várias outras de vital importância para o País, englobando áreas que vão do equilíbrio das contas públicas ao pacto federativo. Ofenderia a inteligência do leitor dedicar algumas linhas para estabelecer gradações de importância entre estas questões e o “drama” das filas de supermercado.

São conhecidas as reclamações dos ministros do STF acerca do grande volume de processos que lá chegam, número sem paralelo em outros países. Não são reclamações infundadas. De fato, há processos que poderiam perfeitamente ser resolvidos antes de chegarem ao STF, em muitos casos até mesmo na esfera extrajudicial. Mas dada a permissividade processual da Constituição de 1988, questões de todos os tipos assoberbam os gabinetes dos ministros todos os dias desde que advogados e procuradores encontrem as brechas para inserir questões constitucionais em seus pleitos. Isto só deveria reforçar o cuidado do Supremo na hora de decidir o que levar ao plenário, o órgão fulcral da Corte.

A sociedade espera muito de sua mais alta instância de Justiça. As tensões sociais que o momento político gera e os conflitos entre instituições e entes federativos impõem uma atuação firme e austera do STF. Os cidadãos precisam olhar para a Corte e sentir que os ministros estão ocupados com as mais importantes questões nacionais, das quais depende não apenas o futuro do País, mas o bom andamento do presente.

A se comemorar neste julgamento - se é que cabe o verbo - resta o fato de o STF reconhecer o princípio da livre iniciativa consagrado pela Constituição. Sem isso, a Corte estaria se imiscuindo no tipo de conveniências que supermercados e congêneres devem oferecer aos clientes.