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O teste diplomático de Dilma

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Por Redação
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Dentro de duas semanas a presidente Dilma Rousseff estará na China, maior parceira comercial do Brasil. Cerca de 300 empresários deverão acompanhá-la. Aproveitarão a viagem presidencial para explorar novas oportunidades comerciais ou, no mínimo, para entender melhor as condições de acesso ao mercado chinês. O Brasil exporta para a China quase exclusivamente produtos básicos e bens intermediários e importa maciçamente bens manufaturados. A composição das trocas será com certeza um dos temas principais das conversações e haverá cobranças de lado a lado. A primeira viagem da presidente brasileira para um grande parceiro fora da América do Sul será um teste importante para a diplomacia do novo governo.Autoridades chinesas têm cobrado o reconhecimento de seu país como economia de mercado. Em 2004, durante visita do presidente Hu Jintao a Brasília, o governo brasileiro prometeu aquele status à economia chinesa, se fossem cumpridas certas condições econômicas. Mas a cooperação bilateral praticamente se resumiu, durante a maior parte do tempo, a um comércio em grande parte sujeito às condições fixadas pela China. Investimentos só apareceram bem mais tarde. Além disso, a instalação de uma fábrica da Embraer na China produziu resultados decepcionantes, porque os interesses do governo chinês não coincidiram, afinal, com os da empresa brasileira.O reconhecimento da China como economia de mercado continua fora da pauta brasileira, avisaram funcionários de Brasília. A presidente Dilma Rousseff tentará limitar-se à discussão de outros assuntos, embora seja muito difícil, neste momento, descartar a hipótese de uma cobrança chinesa. Não está claro se o governo brasileiro mudará de ideia, se uma contrapartida atraente for posta sobre a mesa, ou se a diplomacia do novo governo simplesmente decidiu abandonar a promessa de 2004. Esse detalhe é importante, porque o compromisso assumido pelo presidente Luiz Inácio da Silva, há sete anos, foi, mais que um excesso, uma imprudência. Reconhecer um país como economia de mercado implica aceitar certas limitações à política de defesa comercial. A China obviamente não é uma economia tão sujeita a regras de mercado quanto a maior parte das outras associadas à Organização Mundial do Comércio (OMC). Não era preciso assumir um compromisso tão grave para intensificar o comércio e estabelecer maiores laços econômicos com a China. Outros países também ampliaram os negócios com o mercado chinês sem formular promessas com implicações tão sérias. Ao assumir aquele compromisso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva certamente levou em conta bem mais que os interesses comerciais e de cooperação econômica. A promessa precipitada refletiu também uma concepção particular - e ingênua - de alianças estratégicas. O Brasil era importante para a China como fornecedor de matérias-primas e alguns bens intermediários, mas o governo chinês jamais atribuiu ao País um status semelhante ao atribuído às maiores potências capitalistas, a começar, naturalmente, pelos Estados Unidos. Isso era evidente, menos, é claro, para os terceiro-mundistas de Brasília. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, nunca deixou de participar, à sua maneira, dessa visão juvenil de mundo. Só muito recentemente ele passou a referir-se também ao governo chinês como manipulador do câmbio. Até então, acusações desse tipo eram dirigidas às autoridades americanas, como se as chinesas não houvessem decidido muito antes manter o yuan depreciado. A presidente Dilma Rousseff deu alguns sinais de realismo na avaliação dos interesses brasileiros e das formas de cooperação compatíveis com as possibilidades e aspirações do País. Em Portugal, seus contatos com as autoridades, na visita interrompida pelo falecimento do ex-vice-presidente José Alencar, valeriam como mais uma indicação do estilo diplomático do novo governo brasileiro. Mas o primeiro grande teste fora da América do Sul deverá mesmo ocorrer durante a visita à China. Até agora, a autoridades chinesas se mostraram muito mais lúcidas que as brasileiras na concepção e na defesa de seus interesses nacionais.