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O tráfico de emendas em SP

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Por Redação
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Importa relativamente pouco saber por que o deputado estadual paulista Roque Barbiere, do PTB, já no seu sexto mandato consecutivo, resolveu dizer numa entrevista a um canal da internet de Araçatuba, em 10 de agosto, que "de 25% a 30%" dos seus 93 colegas "vivem e enriquecem" vendendo emendas parlamentares e fazendo lobby para empreiteiras. Importa é que, acostumada pelos políticos a esperar deles sempre o pior, a opinião pública parece não ter se espantado com a revelação, quando este jornal, na última sexta-feira, lhe deu o destaque que até então não tinha conseguido.No seu papel, o presidente da Assembleia Legislativa, Barros Munhoz, disse que a denúncia "caiu como uma bomba" na Casa. Só pode ser porque um certo número de seus pares teme que os estilhaços os alcancem em cheio. Ou alguém imagina que ficaram chocados com Barbiere por ele ter feito uma acusação sem o mais remoto fundamento? O ponto, decerto, é outro. Trata-se da sua recusa a identificar os deputados traficantes de obras públicas e convênios com o Estado, que cobram comissão dos prefeitos beneficiados quando o governo aceita pagar a conta.Primeiro, Barbiere falou que não daria os nomes porque não é "dedo-duro", insistindo embora que a corrupção "existe do meu lado, vejo acontecer, falo para eles inclusive para parar". Agora, diz que tem provas do que declarou e poderá apresentar "dois ou três" nomes de colegas venais - ou seja, algo como um 1/10 do suposto porcentual mencionado originalmente. A Comissão de Ética da Assembleia, que começará a tratar do escândalo amanhã, com 60 dias de prazo, renováveis por outros 30 para tomar posição a respeito, tem a clamorosa obrigação de extrair a verdade de Barbiere, com "nomes e sobrenomes". O mesmo rigor se espera, com mais otimismo, por motivos óbvios, do Ministério Público Estadual, no inquérito civil aberto para apurar a denúncia. O promotor de Justiça Carlos Cardoso, da Promotoria do Patrimônio Público, teve a boa ideia de antecipar o interrogatório do deputado, que deveria se seguir a umas tantas quantas providências de praxe, como solicitar ao governo e à Assembleia documentos sobre a tramitação das emendas. Barbiere, por sinal, declarou na sexta-feira que alertou o governo para a maracutaia rotineira. A versão do Palácio dos Bandeirantes é outra. O chefe da Casa Civil, Sidney Beraldo, negou ter recebido o alerta. Além disso, o parlamentar "relevou o assunto" quando procurado para esclarecer a entrevista. Por via das dúvidas, o governador Geraldo Alckmin mandou levantar todos os convênios resultantes de emendas parlamentares de 2010 e identificar doravante os autores das destinações de recursos no sistema de acompanhamento dos gastos e repasses do Estado disponível na internet. Não se sabe por que uma proposta da bancada do PT nesse sentido, aprovada na Assembleia, foi vetada em 2006 por Claudio Lembo, quando assumiu o governo com a renúncia de Alckmin para disputar o Planalto. O modelo é o Sistema Integrado de Administração Financeira, que permite saber a cada momento quais deputados apresentaram emendas para esse ou aquele dispêndio e o fluxo de liberação dos recursos. Isso, é óbvio, não permite dizer que determinado parlamentar recebeu propina do município favorecido por sua emenda ou da entidade com a qual o Executivo se conveniou. Mas facilita uma investigação, quando se queira fazê-la.O tráfico de emendas parlamentares é uma endemia do sistema político brasileiro. O deputado estadual Bruno Covas, secretário de Meio Ambiente, contou há cerca de um mês ao Estado que, depois de emplacar uma emenda de R$ 50 mil para um município, o prefeito o procurou para saber com quem ele devia deixar "os R$ 5 mil". O neto do ex-governador sugeriu que os doasse à Santa Casa. "Eu que não vou ficar com isso", teria rebatido. Agora, bem no dia em que se lançou pré-candidato à Prefeitura paulistana, o tucano negou que tivesse relatado um episódio real. "Estava dando um exemplo hipotético", recuou, à toa. É a primeira baixa do escândalo da Assembleia.