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O ultimato a Honduras

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Por Redação
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Nunca se viu nada parecido na vergonhosa história, que se imaginava encerrada, dos golpes de Estado na América Latina. Primeiro, no mesmo domingo em que forças militares invadiram o palácio do governo de Honduras, prenderam o presidente José Manuel Zelaya e o puseram, ainda de pijama, num avião para Costa Rica - cumprindo uma ordem da Suprema Corte, respaldada pelo Congresso -, o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu por unanimidade que nenhum dos seus 34 países-membros reconhecerá qualquer governo resultante da "ruptura inconstitucional". Em seguida, na terça-feira, depois de levar à tribuna o presidente destituído para um fanfarrônico discurso de uma hora, aplaudido de pé, uma sessão extraordinária da Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou, também por unanimidade, uma resolução exigindo o "imediato e incondicional" restabelecimento do seu mandato. A resolução também exortou os 192 Estados-membros da ONU a não reconhecer outro governo hondurenho. Ontem cedo, enfim, depois de condenar mais uma vez "a detenção arbitrária e a expulsão de Zelaya", a OEA deu a Honduras três dias para devolver-lhe a presidência, do contrário o país será suspenso do organismo. O "ultimato", como fez questão de dizer o seu secretário-geral, José Miguel Insulza, se baseia na Carta Democrática Interamericana adotada pela OEA em 2001 exatamente para prevenir recaídas golpistas no Continente. "Era necessário demonstrar claramente que golpes militares já não serão aceitos no Hemisfério", explicou Insulza. Mas a iniciativa foi também um arranjo para impedir que Zelaya pudesse cumprir a fanfarronada de voltar hoje ao seu país, segundo ele, acompanhado dos líderes da Argentina e do Equador, do próprio Insulza e do presidente da Assembleia-Geral da ONU, o nicaraguense Miguel d?Escoto Brockmann. O substituto de Zelaya designado pelo Congresso, Roberto Micheletti, havia dito que ele poderia ser preso ao desembarcar. Depois do ultimato, Zelaya anunciou o adiamento da viagem para o fim da semana. É uma situação insustentável para os novos dirigentes desse país de menos de 8 milhões de habitantes, que vive da exportação de café, banana e frutos do mar e depende visceralmente da ajuda dos Estados Unidos. Washington, por sinal, mantém ali uma base militar com 500 soldados. Durante décadas treinou as Forças Armadas e os serviços de segurança locais, a ponto de Honduras ter sido apelidada de "porta-aviões americano" no Caribe. O golpe contra Zelaya foi a mais tosca das respostas concebíveis à sua decisão chavista de convocar por decreto uma consulta popular para a eventual realização de um plebiscito, juntamente com as eleições gerais de novembro, sobre a convocação de uma Constituinte - o que a Carta hondurenha proíbe de forma explícita. A grotesca reação do Judiciário e do Legislativo à tentativa de golpe chavista de Zelaya só poderia ter sido recebida como o foi pela Casa Branca. O presidente Barack Obama, além de condená-la, a considerou "um terrível precedente" para a América Latina. Não está claro se o Departamento de Estado fez tudo o que podia para evitar o pronunciamento em Tegucigalpa. Mas, cometido o desatino, Obama, quanto mais não fosse, não poderia deixar que Hugo Chávez aproveitasse o momento para posar de campeão da democracia no Continente. A crise, decerto, não é insolúvel, embora os seus principais protagonistas tenham sido, todos, desastrados. A deixa para a solução foi dada pelo próprio Zelaya ao negar peremptoriamente, em várias ocasiões, que tivesse a pretensão de se reeleger, embora a jogada bolivariana da Constituinte só se explicasse por isso, e garantir que, ao término do seu mandato, em 27 de janeiro do próximo ano, voltaria à vida civil e "nunca mais" se candidataria. (Escaldada por uma eternidade de regimes autoritários, no início dos anos 1980 Honduras proibiu, ao se democratizar, a reeleição de seus governantes a qualquer tempo.) Se o sucesso de sua aparição na cena internacional não lhe turvou o raciocínio, a esta altura Zelaya estará cuidando de facilitar ainda mais uma "saída" para as novas autoridades hondurenhas, cuja situação é tão mais difícil quanto mais desastrada foi a "coreografia" do sequestro do presidente a sete meses do fim do seu mandato.