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O uso abusivo da ação popular

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Por Redação
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Graças aos mutirões que têm sido patrocinados pelo Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal Regional Federal (TRE) da 3.ª Região acaba de considerar improcedente uma ação popular que foi impetrada há dez anos com objetivos políticos, sob a justificativa de que o BNDES teria assinado contratos de empréstimos irregulares. Com 59 volumes, o processo é mais uma amostra do desvirtuamento do instituto jurídico da ação popular, que permite que qualquer cidadão questione judicialmente atos que considera lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa. Prevista pelo artigo 5.º da Constituição, a ação popular é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade. Por isso, seus autores ficam dispensados de pagar não apenas as custas judiciais, mas até do ônus da sucumbência.A ação popular julgada improcedente pelo TRF da 3.ª Região envolvia seis ex-presidentes do BNDES e 857 empresas financiadas pelo banco. O autor da ação fez acusações vagas e sem provas documentais contra o Banco e essas empresas, limitando-se a afirmar que os empréstimos teriam causado lesão aos cofres públicos. Segundo ele, a direção do BNDES não teria solicitado garantias reais dos beneficiários dos empréstimos. O que o autor da ação queria era criar um fato político para prejudicar o governo. Por mais que as denúncias fossem infundadas e os seis ex-presidentes do BNDES e as 857 empresas processadas tenham sido absolvidas, todos foram obrigados a se defender durante dez anos na Justiça Federal. Com isso, tiveram de arcar com o pagamento de custas e honorários de advocacia, enquanto o único ônus do autor da ação foi com o papel e a tinta das petições. A exemplo dessa ação, muitas outras abertas com propósitos políticos têm tido o mesmo destino. Em 2009, por exemplo, a Justiça Federal absolveu um ex-ministro das Comunicações, quatro ex-presidentes do BNDES e um ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, que haviam sido processados por supostas irregularidades que teriam cometido durante a privatização da Telebrás. As acusações também eram infundadas - e, mais grave, tinham nítido viés ideológico. Mas, até que o processo fosse julgado em caráter definitivo, após dez anos de tramitação, os denunciados tiveram de arcar com custas judiciais e honorários advocatícios. Além disso, o julgamento acabou envolvendo fundos de pensão, empresas privadas e outros órgãos governamentais, como Banco Central, que foram obrigados a bancar despesas extraordinárias. Tendo estimulado o denuncismo irresponsável, quando estavam na oposição, vários dirigentes do PT acabaram sendo vítimas do uso abusivo das ações populares e de outros mecanismos processuais, como a ação civil pública. O presidente Lula, por exemplo, responde a várias ações populares por atos de governo. Ele é, por exemplo, réu em Chapecó, em Santa Catarina, por ter assinado medida provisória vedando o ressarcimento do seguro obrigatório de veículos para quem recebe assistência do SUS. Também é réu numa ação aberta em Blumenau, por ter criado o Parque Nacional do Itajaí. E já respondeu a um processo por ter autorizado a transferência de recursos para o Fundo Penitenciário. A tentativa de coibir o uso abusivo das ações populares, por ironia da história, partiu do deputado Paulo Maluf (PP-SP). Com o apoio da bancada governista, há dois anos ele apresentou um projeto para alterar a Lei de Ação Popular e a Lei de Ação Civil Pública. O objetivo é impedir a proposição de ações que "desgastem irreparavelmente a honra e a dignidade de autoridades injustamente acusadas", obrigando os autores a pagar custas e a sucumbência, caso sejam derrotados judicialmente. Esse é mais um dos paradoxos da política brasileira - a iniciativa de moralizar o uso dos mecanismos processuais que propiciam controle dos atos do Executivo partiu justamente de quem mais respondeu a processos por improbidade na vida pública e, agora, com a Lei da Ficha Limpa, pode ter sua reeleição impugnada pela Justiça Eleitoral.