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O valor da segunda instância

Com a decisão de agora, torna-se obrigatória às demais instâncias a aplicação da interpretação segundo a qual o princípio da presunção de inocência não exige o completo trânsito em julgado para o cumprimento da pena

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Por Redação
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O Supremo Tribunal Federal (STF) desferiu, nos últimos dias, um forte golpe contra a impunidade. O Plenário da Casa confirmou, por maioria de votos, a possibilidade de iniciar a execução de pena de prisão após condenação em segunda instância. Com a decisão de agora, torna-se obrigatória às demais instâncias a aplicação da interpretação segundo a qual o princípio da presunção de inocência não exige o completo trânsito em julgado para o cumprimento da pena. Basta haver uma decisão colegiada, proferida em grau recursal, para que o réu condenado seja recolhido à prisão.

Em fevereiro deste ano, ao julgar um habeas corpus, o STF alterou seu entendimento sobre a execução da pena. Seguindo o voto do relator, ministro Teori Zavascki, a maioria dos ministros entendeu ser possível o início da execução da pena mesmo que ainda coubesse ao réu interpor outros recursos. Ao fundamentar seu voto, Zavascki lembrou que, após a decisão colegiada em segunda instância, não há mais análise de fatos e provas que assentem a culpabilidade do réu. Seria um contrassenso, portanto, falar em presunção de inocência de um réu condenado por um tribunal. Seria fazer pouco-caso da segunda instância.

Ao sinalizar um reequilíbrio do princípio da presunção de inocência, a decisão do STF proferida em fevereiro teve efeitos imediatos. A partir de então, vários tribunais determinaram a prisão de réus condenados em segunda instância. Não era ainda obrigatório, porém, seguir a nova orientação e houve casos em que a Justiça determinou a espera do trânsito em julgado da sentença para executar a pena. Por exemplo, no início de julho, o ministro Celso de Mello mandou a Justiça mineira soltar um réu que ainda podia recorrer da decisão condenatória. No caso, até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia confirmado o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinando a prisão por homicídio qualificado, mas Mello entendeu vigorar no sistema jurídico pátrio “o direito fundamental de ser considerado inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ainda que não fosse o atual entendimento majoritário, cabia a Mello o direito de tomar essa decisão.

Em outubro, o STF teve nova oportunidade de rever sua mudança jurisprudencial, ao analisar ações do Partido Nacional Ecológico e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tentavam suspender a execução da pena antes do trânsito em julgado. Na ocasião, a Suprema Corte confirmou a nova orientação jurisprudencial.

Como lembrou o ministro Edson Fachin, o acesso às instâncias extraordinárias não tem a finalidade de ser uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não está satisfeito. Sua função é propiciar ao STF e ao STJ oportunidade para uniformizar a interpretação da Constituição e da legislação infraconstitucional. A possibilidade de recursos a essas instâncias superiores não pode, portanto, impedir o início do cumprimento da pena.

As decisões de fevereiro e outubro tinham, contudo, efeitos limitados, já que elas se referiam apenas a caso específico. No recurso de agora, os ministros reconheceram que a decisão deveria ter repercussão geral, com efeitos sobre todas as instâncias, e já não cabe desobedecer à orientação do STF.

Trata-se de elementar medida de prudência uniformizar o tratamento de matéria tão grave. A disparidade de consequências jurídicas entre situações semelhantes é sempre sintoma de injustiça. E a exigência do esgotamento de todos os recursos para iniciar o cumprimento da pena era ocasião para que muitos réus se mantivessem distantes dos efeitos legais de suas ações.

Mais do que uma garantia, a antiga interpretação sobre a presunção de inocência era um grave desequilíbrio do sistema. Como mencionou o ministro Zavascki, em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando eventual referendo de um tribunal superior.