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Omissão intencional

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Por Redação
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A cada dia que passa se vai conhecendo mais o real contexto do lamentável episódio envolvendo a visita da comitiva de senadores brasileiros à Venezuela. Não foram “apenas” o desinteresse do governo brasileiro em relação à comitiva e uma extrema boa vontade com os interesses do presidente Nicolás Maduro que possibilitaram a humilhante situação da missão oficial do Senado, que teve de voltar ao País horas depois de aterrissar em solo venezuelano, sem ter cumprido qualquer compromisso de sua agenda.

O estranho comportamento do embaixador brasileiro em Caracas – que, num primeiro momento, assegurou que a comitiva seria acompanhada por integrantes da chancelaria e depois abandonou os senadores à própria sorte – evidencia que houve mais do que mera confusão. Houve ordem explícita do Itamaraty para não acompanhá-los. O conturbado episódio põe em manifesto algumas verdades inconvenientes. Deixa claro mais uma vez que o verdadeiro condutor da política externa brasileira não é o ministro de Relações Exteriores, embaixador Mauro Vieira. É o professor Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais. Preocupa especialmente o fato de a política externa brasileira ser gerida sem qualquer conexão com os interesses do País. Está, isso sim, umbilicalmente conectada com os interesses domésticos dos amigos de seus condutores. Logicamente, Nicolás Maduro não queria qualquer tipo de visita a seus presos políticos. Deseja mantê-los bem isolados. E Garcia dá mostras de compreender bem as razões de Maduro. O governo brasileiro ignora, no entanto, que a Venezuela é um país-membro do Mercosul – uma união aduaneira regida por uma cláusula democrática. Tratar os atentados à liberdade praticados pelo governo venezuelano simplesmente como “assuntos internos” é fazer do Mercosul letra morta. Quer a Venezuela fazer parte do Mercosul? Comporte-se, então, democraticamente. O que não se pode admitir é que a protoditadura utilize o Mercosul para encobrir seus desmandos autoritários, com a deliberada conivência do governo brasileiro. Diante da repercussão do caso, o Ministério das Relações Exteriores cobrou explicações da embaixada da Venezuela no Brasil. Mas isso mais se assemelha a um jogo de cena, pois – segundo as palavras do formulador da política externa brasileira – nada de anormal ocorreu. “Se você está num paiol de pólvora, não entra fumando e, menos ainda, acende um fósforo”, afirmou Garcia ao Estado, manifestando condenação explícita aos senadores brasileiros e apoio irrestrito aos brucutus venezuelanos. Conforme definiu um político chavista, Saúl Ortega, vice-presidente da comissão de política exterior da Assembleia Nacional, os senadores brasileiros que integravam a comitiva “são inimigos da Venezuela”. Como se vê, o governo venezuelano tem imenso receio de que sejam conferidas as condições democráticas de seu país. E o governo brasileiro parece concordar com essa postura, já que – segundo Garcia – a comitiva de senadores mereceu o tratamento que teve. “Fiquei preocupado porque era uma interferência num assunto interno de outro país. Além disso, a agenda era parcial. Não estava programado, por exemplo, nenhum contato com Capriles”, afirmou Garcia, mostrando um inédito entusiasmo pela figura do opositor mais moderado Henrique Capriles. A mentira teve pernas curtas. O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, logo esclareceu aos interessados que “o encontro com Capriles estava, sim, agendado para as 18 horas”. É preciso entender que os interesses do Brasil não são necessariamente os interesses de Nicolás Maduro, não havendo qualquer razão para que o governo brasileiro atue baixando a cabeça aos seus pedidos. Se há algum mal-estar entre os países, não é o Brasil que está provocando – e sim um governo autoritário que teme que sejam expostas ao mundo suas práticas que tanto destoam do figurino democrático.