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Orçamento, MP e calamidades

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Por Redação
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Mesmo sem orçamento aprovado para o novo ano, a presidente Dilma Rousseff prometeu manter um "elevado nível" de investimentos no começo de 2013 e para isso anunciou a edição de uma Medida Provisória (MP). A promessa foi feita em reunião de fim de ano com jornalistas, no Palácio do Planalto. Faltou explicar como poderia fazê-lo sem violar uma norma constitucional. O artigo 62 da Constituição veda a edição de MPs sobre matéria relativa a "planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3.º". A ressalva só vale para os créditos extraordinários destinados a cobrir "despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública". A proibição é clara e é obviamente aplicável tanto à execução orçamentária do próximo ano quanto à dos últimos dias de 2012. Não há como falar de imprevisibilidade e urgência (as duas condições são simultaneamente exigidas) e, se fosse necessária alguma confirmação adicional, as palavras da presidente deveriam bastar. Segundo ela, o governo "concordou" com o adiamento, para o início de fevereiro, da votação da proposta orçamentária. Não houve, acrescentou, "falha de articulação" política no episódio de atraso na tramitação do projeto. Os parlamentares poderiam votar o texto até o fim do ano, se quisessem, como esclareceu em nota o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), depois de vetar a mudança na ordem de votação dos 3.060 vetos acumulados no Congresso. Essa decisão, segundo ele, em nada prejudicava a tramitação da proposta do Orçamento-Geral da União para 2013. O governo concordou, portanto, com um adiamento que seria perfeitamente evitável, se houvesse um efetivo interesse na votação. Além disso, por definição, nenhum investimento indicado no texto orçamentário é "imprevisível". Qualificar apenas como absurda a afirmação contrária seria um gesto de caridade. Mesmo a tentativa de jogar para 2013 verbas remanescentes do Orçamento de 2012 esbarraria nessa restrição. Não há como estabelecer as transferências orçamentárias por MP sem atropelar o texto constitucional. Se a liberação dos recursos fosse rotineira e dentro de regras financeiras já estabelecidas, bastaria um decreto. Não há, igualmente, como recorrer ao argumento da guerra ou da comoção interna. Do texto constitucional ainda restaria a expressão "calamidade pública". Mas a expressão, nesse caso, serve para descrever a conjugação de três variáveis desastrosas - a irresponsabilidade geral em relação ao Orçamento, o abuso das MPs e o aconselhamento jurídico à Presidência da República. Em países sérios e com instituições democráticas bem estabelecidas, o atraso na votação da proposta orçamentária é um evento excepcional, resultante de grandes crises políticas ou de comoções dificilmente previsíveis. No Brasil, é um fato quase rotineiro. Justamente porque a hipótese do atraso é vista como altamente provável, todo ano se discute, durante a tramitação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o espaço atribuível ao Executivo para operar durante meses sem Orçamento. Igualmente desastrosa é a liberdade em geral concedida ao governo para se ajeitar recorrendo a MPs. Mais que uma prerrogativa, é obrigação do Legislativo o exame preliminar de cada texto enviado pelo Executivo, para conferir se foi editado de acordo com a Constituição. Uma MP foi devolvida, há alguns anos, quando o senador Garibaldi Alves presidia o Congresso. Foi um momento raríssimo de afirmação do Legislativo como um Poder da República digno desse nome. Em geral, a independência dos Poderes é invocada para fins muito mais prosaicos e nem sempre nobres, como a fixação de aumentos salariais inconvenientes para o Tesouro e a defesa de interesses corporativos. Oposicionistas ameaçaram recorrer ao STF contra qualquer MP do tipo anunciada pelo governo. O País estaria muito melhor se o apego à Constituição e às funções legislativas - como o exame e a aprovação da proposta orçamentária - fosse generalizado entre os congressistas, independentemente de estarem na situação ou na oposição.