Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Os alertas de Bernanke

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Os juros americanos vão continuar baixos por longo tempo e novas medidas de apoio à recuperação econômica poderão ser tomadas pelo Federal Reserve (Fed). Mas, apesar disso, já é tempo de se pensar numa estratégia para a fase seguinte, quando será preciso desmontar as medidas de combate à recessão. As duas mensagens foram transmitidas pelo presidente do Fed, Ben Bernanke, em depoimentos na Câmara e no Senado, em Washington. O governo brasileiro deveria prestar atenção principalmente à segunda mensagem, porque todo o mundo será afetado quando a política de juros próximos de zero chegar ao fim na maior potência econômica do mundo. As perspectivas da economia americana parecem estar melhorando, mas a recuperação será lenta e o desemprego permanecerá elevado por muito tempo, segundo Bernanke. Os consumidores ainda estão muito endividados e os preços dos imóveis - apesar de algum aumento recente - permanecem muito baixos. O consumo, portanto, só voltará a crescer muito devagar e a lentidão deverá estender-se pelo próximo ano, advertiu o presidente do Fed. O aviso vale também para os demais países: com os consumidores retraídos ainda por muito tempo, as importações americanas deverão crescer também lentamente. Durante anos, o consumo nos Estados Unidos foi um dos principais motores da economia mundial. Esse motor, pela avaliação dos economistas do Fed, reproduzida nos depoimentos de Bernanke, deverá continuar em marcha lenta pelo menos até o fim do próximo ano. Não há, por enquanto, sinal de pressões inflacionárias e esse quadro, de acordo com o presidente do Fed, não mudará antes de uma firme reativação da economia. Por longo tempo o objetivo da política monetária continuará sendo o fortalecimento da atividade econômica. Quando for preciso mudar, o aperto da política deverá ser gradual e o Fed, segundo Bernanke, dispõe dos instrumentos para promover a reorientação. Mas a próxima etapa não vai depender apenas da autoridade monetária. Também é preciso, de acordo com o presidente do Fed, pensar desde já em como desmontar os enormes incentivos fiscais concedidos pelo Tesouro desde o agravamento da crise, nos meses finais do ano passado. Isso é tarefa não só para o Executivo, mas também para o Congresso, porque os parlamentares têm uma importante participação no desenho do orçamento federal. "Se não demonstrarmos um firme compromisso com a estabilidade fiscal, correremos o risco de não ter nem estabilidade financeira nem crescimento econômico durável", advertiu Bernanke durante o depoimento na Câmara de Representantes. Esta advertência contém mais do que as palavras expressam: se Executivo e Congresso não fizerem sua parte, cuidando da arrumação do orçamento, o Fed terá muito mais trabalho para neutralizar o efeito inflacionário das medidas tomadas contra a recessão. Na melhor hipótese, portanto, o Tesouro cuidará de sua parte e começará a desmontar no momento adequado os incentivos ao consumo e a vários setores produtivos. Isso facilitará a transição, mas, ainda assim, sobrará um enorme endividamento, se o déficit fiscal atingir os níveis previstos para este ano e para o próximo, em torno de US$ 1,8 trilhão no exercício fiscal de 2009 e de US$ 1,2 trilhão no seguinte. Será preciso rolar uma dívida bem maior que a dos anos anteriores à crise e isso pressionará, provavelmente, os juros correntes no mercado. Ao mesmo tempo, o aperto da política monetária, mesmo gradual, também contribuirá para encarecer o crédito. O efeito será pior se o ajuste fiscal for deixado para mais tarde. A dívida pública e a evolução dos juros americanos serão assuntos importantes para quem vencer a eleição presidencial do Brasil. Se o sucessor do presidente Lula herdar um orçamento em estado razoável, poderá atravessar o ajuste pós-crise sem maior dificuldade. Se precisar correr atrás de financiamento, terá um difícil início de governo. Se o presidente Lula continuar aumentando os gastos para ganhar a eleição, deixará um legado incômodo para seu sucessor - e para o País.