Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Os arrastões de Obama

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Há duas semanas, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que a "guerra global ao terror", declarada pelo antecessor George W. Bush em resposta aos ataques da Al-Qaeda de 11 de setembro de 2001, se esgotou e um dia terá de acabar. Não disse quando, como tampouco marcou data para o cumprimento da promessa de reduzir as incursões de aviões não tripulados contra presumíveis redutos terroristas no Afeganistão e Paquistão. Os bombardeios têm feito um número alarmante de vítimas civis. Um observador comparou sarcasticamente a fala de Obama ao legendário apelo de Santo Agostinho: "Dai-me a castidade, Senhor, mas não já". É pior do que isso, acaba-se de saber. Na Casa Branca, o candidato democrata que em 2008 acusara o governo Bush de violar os valores que fizeram dos EUA a pátria das liberdades, por ordenar, em nome do combate ao terrorismo, a espionagem indiscriminada de cidadãos americanos, não apenas adotou, como expandiu os mesmos métodos. Confrontadas com uma revelação do Guardian, de Londres, autoridades americanas confirmaram que há sete anos o FBI e a Agência de Segurança Nacional, amparados em ordens judiciais secretas, têm tido acesso aos registros das ligações de milhões de clientes da Verizon, o segundo maior provedor de serviços de telefonia do país. Horas depois, as fontes oficiais confirmaram também a notícia do Washington Post de que o governo monitora mensagens trocadas, no exterior, entre titulares de contas de correio eletrônico e participantes de redes sociais de nove sites americanos. O Programa Prisma já dura quase seis anos e compele as empresas a cooperar. Baseia-se numa lei cuja vigência foi recentemente renovada pelo Congresso. É parente próxima da Lei Patriota proposta por um deputado republicano e promulgada por Bush em de 2001. O órgão judicial que autoriza a bisbilhotice é o Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira. Os Três Poderes, portanto, são parceiros na empreitada.O governo alega que não grampeia conversas telefônicas - o que, por sinal, uma lei emendada em 2008 lhe dá o poder de fazer. À parte isso, fica sabendo de que aparelho e lugar se originou uma chamada, para qual linha e de onde, e quanto tempo durou a ligação. É facílimo, a partir daí, identificar os prováveis interlocutores. No caso das comunicações por internet, o conteúdo é conhecido, mas cidadãos americanos estão teoricamente a salvo da devassa. Para a Casa Branca, os arrastões são instrumentos de legítima defesa nacional, ao permitir que os órgãos de segurança saibam se "terroristas conhecidos ou suspeitos têm tido contato com outras pessoas que possam estar envolvidas em atividades terroristas, particularmente nos EUA". Quem e com base no que pode classificar alguém como possível envolvido com o terrorismo? A resposta é sigilosa. Quem pode pôr ou retirar alguém da lista de "suspeitos"? É segredo também. O fato de um deles ligar ou receber chamadas de outra pessoa também a incluirá no rol? Impossível saber. Sem falar que "esse tipo de acompanhamento pode revelar muitas informações pessoais e íntimas de um indivíduo", como apontou o New York Times, no que terá sido o seu mais duro editorial sobre o presidente a quem apoiou nas eleições de 2008 e do ano passado. "O governo perdeu toda a credibilidade" em matéria de transparência, diz o texto. "Obama demonstra que o Executivo usará todo o poder que lhe for dado, e muito provavelmente dele abusará."As críticas à Casa Branca uniram políticos antagônicos. A primeira delas é de que o governo só admitiu o que vem fazendo há anos depois que a imprensa divulgou os programas de Big Brother que igualam a Bush o presidente que o acusou de propor uma "falsa escolha" entre liberdade e segurança. Os críticos não contestam que a informação é o melhor preventivo contra o terrorismo. Mas, como observou o próprio autor da Lei Patriota, deputado Jim Sensenbrenner, "capturar os registros telefônicos de milhões de pessoas inocentes é excessivo e antiamericano".