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Os bispos e a CLT

Numa decisão tomada no apagar das luzes de 2017, o juiz Diego Cunha Maeso Montes, da 39.ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu o vínculo empregatício mantido durante 15 anos entre um bispo e uma igreja evangélica

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Por Redação
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Numa decisão tomada no apagar das luzes de 2017, o juiz Diego Cunha Maeso Montes, da 39.ª Vara do Trabalho de São Paulo, reconheceu o vínculo empregatício mantido durante 15 anos entre um bispo e uma igreja evangélica, obrigando-a a pagar multas rescisórias, férias vencidas simples e em dobro acrescidas de 1/3, décimos terceiros salários e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além do recolhimento das contribuições previdenciárias e da restituição dos valores por ela descontados dos dízimos a título de contribuição ministerial.

A instituição religiosa é a Igreja Apostólica Fonte da Vida, cujos advogados alegaram que o reclamante nela atuou apenas como apóstolo e pregador. Contudo, o magistrado refutou o argumento, alegando que a relação mantida pela instituição com o bispo, no período de fevereiro de 1990 a setembro de 2015, teria preenchido todos os requisitos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em seu artigo 3.°, esse texto legal considera empregado “toda a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Também determina que não existem “distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho manual, técnico e intelectual”.

Por ter em seu organograma um gerente, um diretor financeiro, supervisores e auxiliares administrativos e por estabelecer metas de lucratividade para seus pastores, na prática essa igreja evangélica funcionava como uma verdadeira empresa. Além disso, apesar de não ter carteira de trabalho assinada, o bispo recebia mensalmente R$ 5,5 mil, desempenhava sua função com habitualidade, tinha o dever de abrir diariamente o salão para o início do culto e era obrigado a respeitar uma bem estruturada cadeia de comando. Por isso, ele atuava como empregado, disse o titular da 39.ª Vara do Trabalho.

Independentemente do tipo de trabalho desenvolvido pela igreja, que foi criada em 1994 na cidade de Franca e conta com 380 templos, o fato é que a decisão recoloca na ordem do dia os problemas gerados pela multiplicação desenfreada de seitas especializadas em explorar a boa-fé dos segmentos mais desfavorecidos da população. Ao contrário das igrejas protestantes tradicionais, com as quais não devem ser confundidas, a maioria das igrejas ditas evangélicas parece mais preocupada com o dinheiro do que com a fé, tendo convertido a pregação num próspero ramo de negócios. Há quatro anos, a revista Forbes incluiu alguns líderes dessas igrejas na lista dos brasileiros mais ricos.

Além de angariar fortunas à custa de pessoas ingênuas à procura de apoio moral para enfrentar as agruras da vida, os controladores dessas igrejas organizadas em moldes empresariais descobriram outras formas de ganhar dinheiro. Conjugando poder econômico com charlatanice eletrônica, elas passaram a pressionar políticos, pedindo favores e facilidades em troca de votos. Entre outros privilégios, conseguiram a prerrogativa de se registrar como entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, uma estratégia ardilosa que lhes permite operar por meio de uma rede de empresas criada com o objetivo de movimentar doações feitas em decorrência de todo tipo de promessas, por um lado, e não pagar Imposto de Renda, por outro lado. Também obtiveram a prerrogativa de não pagar Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) nas áreas onde instalaram seus templos.

Os desmandos praticados por essas igrejas evangélicas são tantos que, nos últimos anos, propiciaram o surgimento de pressões em favor do fim da imunidade tributária a templos de qualquer culto. Se outros juízes seguirem a linha adotada pelo titular da 39.ª Vara do Trabalho de São Paulo, o fim desses privilégios e o enquadramento de pseudobispos que estão mais próximos do Código Penal do que do Evangelho é uma questão de tempo.