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Os cursos para assentados

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Por Redação
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Ao julgar em caráter liminar um recurso impetrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, manteve a suspensão das atividades do curso de medicina veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) para assentados do programa de reforma agrária do governo federal. A suspensão havia sido determinada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região a pedido do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, que alegou que o acesso à universidade pública tem de ser feito por concurso, com base no princípio do mérito, não sendo permitida a criação de turmas "especiais" ou "exclusivas" para determinados grupos sociais. O curso foi criado por convênio firmado pelo Incra com a Fundação Simon Bolívar, vinculada à Universidade Federal de Pelotas. Na ocasião, o Conselho Departamental da Faculdade de Medicina Veterinária se opôs à iniciativa, alegando que o convênio fere os princípios da autonomia universitária e da igualdade no acesso ao ensino superior. Pelo convênio, o curso é oferecido a estudantes indicados pelos assentamentos e a matrícula é condicionada à obtenção de uma carta de anuência do superintendente regional do Incra. A direção do Incra alegou que o convênio faz parte do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Seu objetivo seria capacitar "grupos historicamente desfavorecidos", criando condições para reduzir as desigualdades sociais. Mas, ao acolher o recurso dos procuradores gaúchos, a Quarta Turma do TRF da 4ª Região afirmou que, além de padecer de vícios jurídicos, o curso "especial" de medicina veterinária da UFPEL é um curso universitário como outro qualquer, não sendo por isso "adequado à atuação específica e à atividade profissional de seus beneficiários". Os argumentos do Ministério Público e do TRF foram endossados pelo presidente do STF. "A Constituição garante igualdade de acesso e permanência ao ensino público de qualidade conforme a capacidade de cada um. Ela impõe ainda que o acesso ao ensino seja realizado de modo isonômico", disse Mendes, em despacho de 15 páginas. "Apesar de se reconhecer a validade e a necessidade de se oferecer aos assentamentos condições favoráveis ao seu desenvolvimento sustentável, as providências adotadas para o atendimento dessa finalidade não podem ocorrer de maneira a comprometer o delineamento constitucional do ensino superior no País", concluiu. Segundo Mendes, ao se formarem, os alunos dos cursos "especiais" sentir-se-iam estimulados a pleitear registro no conselho profissional da categoria como se tivessem feito um curso regular, o que levaria a uma enxurrada de contestações judiciais à validade de seus diplomas. Além dos vícios jurídicos, o convênio peca pelo enviesamento ideológico. Entre outros absurdos, ele prevê que técnicos do Incra e representantes de movimentos sociais possam interferir na supervisão pedagógica dos cursos "especiais" ou "exclusivos" de medicina veterinária da UFPEL. Para o Ministério Público Federal e para a Quarta Turma do TRF da 4ª Região, isso permite ingerência política nas aulas, esvazia a autonomia didática e científica dos professores e compromete o pluralismo de ideias. Esses argumentos também foram endossados pelo presidente do Supremo. "Causa perplexidade a participação do Incra e de movimentos sociais na supervisão pedagógica. Ou seja, indivíduos não pertencentes aos quadros da Universidade poderão influir de forma decisiva no programa do curso a ser ministrado", afirmou Mendes. Para os responsáveis pelo Programa Nacional de Reforma Agrária, o convênio com a Fundação Simon Bolívar configura uma política de ação afirmativa, a exemplo do sistema de cotas raciais. O presidente do STF refuta o argumento, alegando que as turmas "especiais" em universidades públicas são uma "medida de tal forma gravosa" que trazem mais problemas do que soluções para a correção das desigualdades sociais. A decisão de Mendes não é definitiva. Ele reconhece que o tema é polêmico e que o caso só terá uma decisão definitiva quando o STF julgar, no mérito, a constitucionalidade do sistema de cotas, que é a espinha dorsal das políticas de ação afirmativa do governo.