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Os dilemas da internet livre

Para entender o alcance do problema é preciso considerar que as redes sociais se tornaram uma das principais fontes de informação para a maioria das pessoas

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Por Redação
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O alcance cada vez maior das redes sociais na vida dos cidadãos, com potencial de moldar opiniões e decisões, traz uma série de problemas para a democracia. O dilema central está no fato de que as redes são hoje o principal meio de disseminação das chamadas fake news, ou falsas notícias, produzidas para confundir a opinião pública a favor de causas geralmente extremistas e muitas vezes criminosas. Por isso, começam a tomar corpo iniciativas, de governos de países democráticos e de gigantes da internet, para identificar as fake news nas redes sociais e impedir que elas gerem seus frutos nocivos. Ao mesmo tempo, porém, essas medidas de moderação podem constranger a liberdade de expressão em um ambiente – a internet e, particularmente, as redes sociais – cuja vitalidade está justamente na sua vocação anárquica.

A crescente necessidade de conciliar liberdade e responsabilidade, para tornar a internet razoavelmente protegida dos liberticidas sem, contudo, limitar a livre manifestação do pensamento, motivou importante pesquisa do Pew Research Center, um dos principais centros de estudos dos Estados Unidos, a propósito da veloz transformação das redes sociais em armas contra a democracia.

O tema ganhou mais espaço a partir da campanha presidencial dos Estados Unidos, no ano passado. Para muitos comentaristas no país, a eleição de Donald Trump resultou, em parte, da propagação de notícias inverídicas pela internet para favorecer o magnata. Uma pesquisa feita pelo próprio Pew constatou que, para 64% dos eleitores, as falsas informações apresentadas durante a campanha pela internet confundiram sua opinião.

Para entender o alcance do problema é preciso considerar que as redes sociais se tornaram uma das principais fontes de informação para a maioria das pessoas. Outra pesquisa do Pew, de maio de 2016, indicou que 62% dos norte-americanos leem notícias nessas redes. No Brasil, uma pesquisa do Ibope feita para o governo federal mostrou que 49% dos entrevistados se informam pela internet sobre o que acontece no País. No entanto, há muitas dúvidas sobre a qualidade dessa informação – dos que frequentam as redes sociais, 74% disseram confiar pouco ou nada nas notícias que leem ali, enquanto entre os que leem jornais 59% disseram confiar sempre ou quase sempre no que esses veículos publicam.

Assim, está claro que, nas redes sociais, impera o tumulto, em que informações falsas anulam as verdadeiras, necessárias para o esclarecimento da opinião pública. É essa a razão principal pela qual o mundo civilizado começa a reagir aos inimigos da democracia que infestam as redes sociais.

A maioria dos 1.537 especialistas, administradores públicos e técnicos entrevistados pelo Pew Research Center em sua mais recente pesquisa considera que as redes sociais deram poder às pessoas comuns, propiciando-lhes irrestritas possibilidades de comunicação. Mas grande parte considera inevitável que, no futuro, esse universo sofra restrições tecnológicas destinadas a impedir a ação dos internautas especializados em causar confusão e disseminar o ódio na internet, por vontade própria ou a serviço de interesses escusos.

Esses internautas escondem-se sob o anonimato, e é justamente essa condição – uma das características mais marcantes da internet – que pode ser comprometida a partir da disposição de coibir o mau comportamento e a desinformação nas redes sociais. Não foram poucos os que, na pesquisa, manifestaram preocupação com a possibilidade de que governos aproveitem essa disposição para monitorar cidadãos. Mas também há os que consideram que esse saneamento tornará os debates online menos hostis a internautas que hoje deles não participam em razão da virulência e da pouca confiabilidade das informações ali disseminadas.

No levantamento do Pew, a maioria absoluta dos entrevistados (71%) considera que a atmosfera de vale-tudo nas redes sociais vai continuar como está ou vai piorar. Essa perspectiva dá a dimensão do desafio que os verdadeiros amantes da liberdade têm pela frente.