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Opinião|Os exemplos dos bons e dos maus juízes

Atualização:

Dois episódios de juízes de Direito pouco preparados para enfrentar os desafios do dia a dia na vida em sociedade chamaram a atenção da população brasileira neste final de ano, prestando-se a abalar um pouco mais a reputação da classe no Brasil. Inicialmente, um juiz do Rio de Janeiro se indispôs com agente de trânsito, que exercia a obrigação de examinar os documentos de seu veículo, e acabou provocando um lamentável incidente. Sem as necessárias tolerância e moderação, que sempre devem balizar o comportamento de um juiz, deu-se por ofendido com a afirmação por ela feita de que "juiz não é Deus" e acabou superdimensionando episódio de pouquíssima relevância, do qual resultou a ida dos dois para uma delegacia de polícia. Sua falta de tolerância e do necessário traquejo, necessários a quem exerce a magistratura, acabou criando-lhe enorme constrangimento, que o colocou na posição de réu perante a opinião pública. Os funcionários dos cartórios judiciais costumam repetir uma brincadeira que diverte a eles próprios e também provoca risadas da maior parte dos juízes. Eles dizem que "juízes pensam que são Deus", mas "os desembargadores têm certeza". Ora, isso não deixa de ser tão somente uma crítica engraçada, própria do bom humor e descontraimento dos brasileiros, jamais configura uma ofensa condenável. Assim, ouvir que "juiz não é Deus" não será jamais motivo para demonstrar valentia institucional, dar ordens de prisão ou pretender abrir processo. Tampouco para se mostrar ofendido e muito menos provocar um incidente que se torne público e objeto de julgamento pela população. O outro episódio envolvendo valentia de juiz ocorreu mais recentemente, no aeroporto de São Luís, no Maranhão. O noticiário dos jornais, rádios e televisões indicou que o juiz não chegou a tempo para o embarque, irritou-se com os funcionários da empresa aérea e fez a bobagem de dar-lhes voz de prisão. O poder que é conferido ao juiz tem o sentido de dever e se mostra necessário para a aplicação da lei e do direito, nada mais. Fora do fórum, quando dirige, embarca, anda nas ruas ou toma uma cerveja, ele é um cidadão comum e não deve de forma alguma ficar sacudindo sua carteira de magistrado. Mesmo em casos de ofensa à sua honra pessoal, ou da magistratura, deve agir sem arrogância e de forma respeitosa. O gesto de esbravejar e levantar a carteira de juiz, dando voz de prisão sem a certeza do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, em vez de intimidar, serve para provocar a desaprovação da maioria das pessoas. Se a voz de prisão é dirigida a alguém com quem se desentende, pior ainda, porque o juiz com essa conduta se insere num cenário que deveria evitar com diplomacia e com respeito. A irritação é normal no ser humano, porém não deve contaminar nem se misturar com o exercício profissional. Fora do fórum, repita-se, sem que ocorra o necessário impulso processual, não deve o juiz proclamar ser detentor do cargo para intimidar quem quer que seja. Esses dois episódios ocorrem num momento da vida nacional em que a atuação da Polícia Federal e da magistratura do Paraná propagam a ideia de que ainda é possível confiar na Justiça. Sim, a devassa feita na Petrobrás e também em outros setores do governo federal mostra, de um lado, a eficiência e a importância do trabalho policial, e, de outro, a segurança que um juiz deve ter ao agir com firmeza e sem se curvar às ameaças e pressões. O sentimento de justiça, sempre variável entre as pessoas, ficaria seriamente abalado se o escândalo da Petrobrás, bem como os outros que foram conhecidos a seguir, não chegassem a um desfecho exemplar. Assim não fosse e estaríamos assistindo à debilidade e atrofia de nosso sistema judiciário. A lesão a um direito, sobretudo quando praticada na empresa petrolífera que já representou o grande sonho do Brasil, põe em jogo não somente o alto valor pecuniário, mas também a ofensa que se faz ao sentimento de justiça de cada um de nós. Há clara e expressiva indignação da população brasileira quanto a esses escândalos. E há também a esperança de tramitação razoavelmente rápida do processo judicial, bem como de punição dos culpados, quem sabe em termos bem mais severos do que os verificados no julgamento da quadrilha responsável pelo mensalão. A ideia que prevaleceu naquele julgamento foi a do aparelhamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Sim, a despeito dos evidentes esforços do ministro Joaquim Barbosa, os ministros mais novos indicados pelo ex-presidente Lula e pela presidente Dilma Rousseff amoleceram a olhos vistos e reduziram verticalmente as penalidades cabíveis. Graças a isso, José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, elementos da cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT), foram precocemente beneficiados pelas vantagens da progressão das penas e já estão em casa, talvez rindo de cada um de nós. Enfim, crimes de tanta gravidade, por eles praticados e assim reconhecidos, acabaram por desmerecer a Justiça do nosso país, pela bondade dos juízes e da nossa legislação processual. Vicente Rao costumava dizer que a justiça deve ser praticada de forma suave e humana, e até mesmo com benevolência. Mas lembrava também que, na aplicação das normas jurídica, não se devem jamais expor decisões judiciais que levem à ideia de fragilização das instituições. Não pode haver nada mais perigoso para as instituições do que a desconfiança de um povo nos seus juízes e na Justiça do país. Por isso mesmo é necessário e fundamental que cada juiz tenha consciência disso e saiba fazer a sua parte, até mesmo pelo exemplo pessoal. Tal como todos estamos assistindo no caso do juiz paranaense Sérgio Moro. ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR É DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

Opinião por Aloísio de Toledo César