Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Os ganhos do funcionalismo

Os reajustes salariais que o funcionalismo vem conseguindo são de causar inveja aos trabalhadores do setor privado

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Bem coordenadas e frequentes, as campanhas de diferentes categorias do funcionalismo público por reajuste de vencimentos transmitem a ideia de que esses servidores são maltratados pelos administradores e estão em situação mais difícil do que a média geral dos brasileiros. Trata-se, no entanto, de uma impressão bem distante da realidade. Os reajustes salariais que o funcionalismo vem conseguindo são de causar inveja aos trabalhadores do setor privado, conforme indica recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Entre 2004 e 2014, as remunerações dos servidores públicos estaduais e municipais cresceram 53,52% e 46,10% acima da inflação, respectivamente. “Registre-se que, no mesmo período, a evolução das remunerações no setor privado (elevação real de 37,65% na Pnad) foi significativamente menor do que a observada no setor público”, afirmam os pesquisadores do Ipea.

Utilizando como fontes de dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o estudo teve como finalidade analisar o crescimento dos gastos com pessoal ativo nas administrações públicas estaduais e municipais brasileiras na período entre 2004 e 2014. Os pesquisadores queriam entender, por exemplo, se a elevação nos gastos com a folha salarial no período foi causada em razão do aumento dos salários ou de novas contratações.

O estudo aponta para uma diferença nas causas do crescimento dos gastos com o funcionalismo ativo entre Estados e municípios. No caso dos Estados, o fator responsável pelo significativo aumento de gastos foi a elevação salarial, já que não se observa na década analisada – especialmente na segunda metade – expressivo crescimento na contratação de novos servidores. No caso dos municípios, além do aumento dos salários, houve também significativa abertura de vagas.

O estudo também analisa os reajustes salariais nos diversos setores das administrações públicas estaduais e municipais. Entre 2004 e 2014, os servidores públicos da área de educação tiveram aumento real de salários acima da média geral do funcionalismo público. Nos Estados, o ganho desses servidores foi de 57,59% e nos municípios, de 58,04%. O estudo destaca, porém, que a remuneração média dos professores teve um crescimento real abaixo do observado no setor de educação como um todo.

Na área da saúde, os aumentos foram inferiores à média do funcionalismo, mas não foram pequenos. No período de dez anos, os servidores estaduais da área de saúde tiveram aumento de 52,59% acima da inflação. Já os funcionários municipais da área de saúde tiveram ganhos reais médios na ordem de 35,93%. Em contraste, os números do setor privado são bem inferiores. Na educação, o aumento dos salários entre 2004 e 2014 foi de apenas 14,64% e, na saúde, de 29,33%, segundo os dados da Pnad. Vale lembrar que as áreas de saúde e educação são responsáveis por mais da metade dos empregos públicos nos Estados e municípios.

Outra categoria de servidores com substantivos aumentos no período – bem acima da média do funcionalismo público em geral – foram os militares estaduais. Segundo as informações da Pnad, eles receberam, entre 2004 e 2014, aumento real de 70,09%.

Entender o crescimento dos gastos com o funcionalismo é de grande utilidade. Quando determinadas categorias, bem organizadas politicamente, colocam-se como vítimas do sistema e reivindicam, como se fosse uma questão de justiça, reajustes salariais, é necessário levar em conta a realidade do País e do mercado de trabalho – ao contrário de injustiçadas, como muitas vezes se proclamam, são categorias privilegiadas, dizem os números.

O quadro apresentado pelo Ipea é também um elemento importante na avaliação das causas da difícil situação financeira de tantos Estados e municípios. Não se chegou onde se chegou por mero infortúnio. Houve deliberada irresponsabilidade, muito útil eleitoralmente na ocasião, mas que agora cobra seu preço.