23 de agosto de 2012 | 03h05
Há um mês, um porta-voz da chancelaria síria disse que o governo recorreria ao seu estoque de gases letais, como sarin e mostarda, cuja existência era sabida, porém não confessada, "em caso de agressão externa" - uma hipotética intervenção armada do Ocidente, com o apoio da Turquia, Catar e Arábia Saudita, para decidir em favor dos rebeldes a guerra civil. A mesma fonte, no entanto, ressalvou que "nunca, jamais, em nenhuma circunstância" o arsenal seria utilizado contra os próprios sírios. (Foi o que fez em 1987 o ditador iraquiano Saddam Hussein para esmagar um levante da minoria curda, incentivado pelos EUA. Numa só aldeia, 5 mil pessoas foram mortas. Ao todo, as vítimas somaram 10 vezes isso.)
Mas o que inquieta Washington é a possibilidade de tais armas caírem em mãos de extremistas, como o Hezbollah baseado no Líbano, financiado pelo Irã e acobertado pela Síria, capazes de empregá-las contra Israel. Ao falar em "planos de contingência" - eufemismo para retaliação militar -, Obama mencionou explicitamente os riscos para o Estado judeu. Nos Estados Unidos, a sucessão induz os políticos de ambos os lados da divisa partidária a rivalizar em matéria de apoio a Israel. De mais a mais, embora tenha sido no seu governo que os EUA conseguiram eliminar Osama bin Laden, Obama é criticado pelo que seria a sua falta de determinação em defesa dos interesses americanos no mundo.
Ele, por sua vez, há de saber que um ataque à Síria transformaria um conflito cruento, mas ainda predominantemente interno, numa guerra internacional - "uma confrontação mais extensa do que as nossas fronteiras", no dizer do vice-primeiro-ministro sírio, Qadri Jamil. A Síria não é a Líbia, como deve ser óbvio até para quem só conheça rudimentos de geopolítica. Não é nem mesmo o Iraque, onde a invasão americana fomentou o terrorismo interno e externo, permitiu ao Irã livrar-se de um formidável inimigo, mas não desencadeou uma conflagração além dos domínios de Saddam. Nem o Oriente Médio nem o Golfo Pérsico pegaram fogo.
Já uma intervenção na Síria - que, pelas estimativas do Pentágono, exigiria o engajamento de dezenas de milhares de soldados - poderia, esta sim, abrir as portas do inferno, como costumam dizer os árabes. Um cenário traçado em Washington, descrito pelo New York Times, prevê um envolvimento ainda muito maior dos patronos de Assad, a Rússia de Putin e o Irã de Ahmadinejad. Assad ganharia de mão beijada um pretexto para mobilizar o sentimento popular contra o Ocidente - além de encorajar a Al-Qaeda e outros grupos terroristas que combatem o regime de Damasco a se voltar contra o que considerariam uma nova cruzada americana no mundo árabe.
A sempre precária estabilidade na região que abrange o Líbano, Jordânia, Iraque, Turquia e Israel, países limítrofes à Síria, não passará a valer nem 1 dinar quando as armas falarem. Isso sem esquecer que uma iniciativa militar, ainda que circunscrita a operações de controle do espaço aéreo sírio, como começou a intervenção na Líbia, precisaria ser aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não há hipótese de isso acontecer: desde outubro do ano passado, a Rússia e a China vetaram três resoluções contrárias a Assad - a mais recente delas porque abria uma fresta para ações armadas estrangeiras.
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