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Os perigos da incompetência

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Por João Mellão Neto
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Durante oito anos, quando exerci dois mandatos de deputado federal, pousei, semanalmente, em Congonhas. Não tenho medo de avião. Mas confesso que sempre sentia certo desconforto à medida que o avião se ia acercando da pista e a proximidade com os prédios aumentava. Um piloto, à época, me confidenciou que aquele aeroporto era semelhante a um porta-aviões. Com menos de 2 mil metros de pista, cercado de cidade por todos os lados, não havia ali margem para erros. O mesmo ocorria com o Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro. Este tinha uma pista menor ainda, que começava e terminava no mar. Durante várias décadas, enquanto a ponte aérea era operada exclusivamente pelos confiáveis turbo-hélices Electra, não havia perigo algum. Estes aviões necessitavam de pouca pista para pousar e decolar. Nunca houve nenhum acidente com eles. Viajar de São Paulo ao Rio e vice-versa era mais tranqüilo que pegar um ônibus. Mas eis que surgiram os aviões a jato, muito mais velozes e barulhentos. Após uma curta experiência, na década de 1970, eles foram proibidos de operar nessas duas "minipistas". Os primeiros Boeings 737, da família 200, não tinham potência suficiente e eram demasiado ruidosos. Os próprios moradores das proximidades dos aeroportos, aliados às preocupações das autoridades ligadas à aviação, trabalharam para banir os jatos comerciais da operação nesses aeroportos. Já na década de 1980 foram surgindo as novas versões do 737, em especial os das famílias 400 e 500. Eram aeronaves muito mais potentes e silenciosas, requeriam um espaço de pista muito menor para pousar e decolar com razoáveis níveis de segurança. Tanto os moradores das vizinhanças como as autoridades não fizeram objeção para que eles operassem a ponte aérea Congonhas-Santos-Dumont. Apesar de melhores em relação às famílias anteriores, eles nunca alcançaram os obsoletos Electra em matéria de segurança. Gastavam mais pista para pousar e decolar e faziam esses procedimentos em velocidades muito maiores. Vem daí a analogia já citada de que Congonhas (e o Santos-Dumont) era semelhante a um navio-aeródromo. Na minha humilde condição de leigo, sempre achei que um dia haveria um acidente de grandes proporções num desses aeroportos. Estávamos contando demais com a sorte e esta não é um dado que deva ser levado em conta no planejamento aéreo. Na já assumida condição de leigo, eu acreditava que as autoridades que administram a aviação civil eram renomados e experientes especialistas da área. Qual não foi a minha surpresa ao saber que os diretores da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) foram escolhidos sem nenhum critério e eram tão leigos no assunto quanto eu. São cidadãos que não conhecem sequer a diferença entre um avião a jato e um avião a hélice, não sabem para que serve um flap e ignoram até os princípios da Física que permitem a uma aeronave voar. E essa gente é indemissível! Por força da lei que criou as agências reguladoras, na segunda metade da década de 1990, os membros de suas diretorias - uma vez indicados pelo presidente da República e referendados pelo Senado - passam a ter um mandato de cinco anos, só podendo ser afastados por notória incompetência ou improbidade, após longo e complexo inquérito administrativo. Não, não se trata aqui de condenar a existência das agências, nem sequer de propor a redução de suas prerrogativas. As agências reguladoras existem em todos os países modernos e foram a forma impessoal encontrada para estabelecer normas, fiscalizar e regulamentar setores da economia anteriormente em poder do Estado. As agências são autônomas justamente para que sejam imunes às pressões dos sucessivos governos e, com isso, garantir aos investidores regras claras, transparentes e duradouras, condição indispensável para que apliquem seus recursos no setor. Essa é uma das razões por que seus diretores têm mandato e não podem ser demitidos. O problema aparece quando, por ocasião da indicação dos nomes que comporão a sua diretoria, o próprio governo politiza a questão, preterindo os elementos com perfil técnico em favor de indicações de cunho político. Esses nomes têm de passar pelo crivo do Senado, é verdade. Mas o Senado brasileiro, por tradição, não costuma vetar indicações provindas do Executivo. Ao contrário, assina em cruz e nem se dá ao trabalho de verificar a idoneidade e a qualificação dos indicados. O caso da Anac é um exemplo típico desse mau costume. Se os srs. senadores se tivessem dado ao trabalho de verificar, teriam constatado que nenhum dos indicados para dirigir a agência tem a menor familiaridade com a aviação. São, isso sim, militantes políticos, cujas maiores credenciais são suas carteiras de membros do Partido dos Trabalhadores. O PT leva muito a sério essa questão de aparelhamento do Estado, que significa infiltrar seus membros em todos os espaços possíveis da administração pública. Mas tudo tem limite. Cargos técnicos exigem ocupantes técnicos. O resultado dessa desastrosa política está aí. Já convivemos há mais de dez meses com o caos aéreo e não se vislumbra nenhuma solução no horizonte. Este é o jeito petista de governar. Uma sociedade indefesa à mercê de um partido indefensável. Por ocasião da tragédia do Airbus, o mínimo que se esperava é que Lula, na sua condição de líder máximo da Nação, tivesse vindo imediatamente a São Paulo para confortar as famílias das vítimas. Temendo eventuais apupos ou manifestações de protesto, ele optou por se manter em silêncio, fazer um pronunciamento confuso pela TV e correr para o Nordeste. Isso, sim, é que é estadista! Nada contra o fato de o presidente se refugiar nos Estados nordestinos. Afinal, é neles que se encontra a grande maioria de seus eleitores, todos eles devidamente subornados pelo Bolsa-Família. Mas, a bem da Nação, a sua passagem deveria ser só de ida. Chegou a hora de dizer: Basta!