Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Os poderes da Funai

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Ao conceder-se poderes exclusivos de outros órgãos públicos e impor, por simples medida administrativa, exigências não previstas na legislação para o licenciamento ambiental de obras em áreas onde vivem povos indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) exorbitou de suas atribuições. Além disso, por dificultar o processo de licenciamento de grandes projetos do setor de infraestrutura, colocou-se contra outros setores da administração federal que, por instrução da presidente Dilma Rousseff, tentam acelerar essas obras. Com sua decisão, a Funai criou mais uma disputa dentro do governo do PT, como as que vêm travando o andamento de diversos programas essenciais para o País.O problema já foi levado ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, por entidades empresariais do setor de energia elétrica, e preocupa também os produtores rurais. Há dias, a Comissão de Agricultura da Câmara aprovou a realização de audiência pública com a presidente indicada da Funai, a demógrafa e professora da Unicamp Marta do Amaral Azevedo, e com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para discutir a questão.Os parlamentares querem cobrar do governo explicações para o fato de a Funai ter agido de forma que consideram "arbitrária" na demarcação de terras indígenas, atribuindo-se poderes para decidir sobre o licenciamento ambiental nessas terras. "As disposições parecem por demais subjetivas, conferindo alto grau de discricionariedade à Funai", argumentou o deputado Moreira Mendes, autor do requerimento pedindo a audiência.A pretexto de adaptar sua atuação às medidas baixadas pelo governo em outubro para tornar mais claras as regras e acelerar o exame dos pedidos de licença ambiental pelos diferentes órgãos - como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Ministério da Saúde e a Fundação Palmares -, a Funai baixou instrução normativa cujo efeito poderá ser exatamente o contrário do esperado.O documento diz que a Funai deverá se manifestar sobre empreendimentos que possam causar impactos ambientais ou socioculturais quando "localizados em terras indígenas ou em seu entorno". Terras indígenas e seu entorno "podem incluir qualquer extensão que um antropólogo e equipe considerarem necessária à 'reprodução física e cultural' das etnias em questão, o que significa tanto alguns poucos como dezenas de quilômetros", como observou o professor de Filosofia da UFRGS Denis Lerrer Rosenfield em artigo publicado pelo Estado (30/1).A instrução exige que o empreendedor apresente um relatório "em linguagem acessível", o que é razoável, ou "com tradução para línguas indígenas, a ser elaborado pelo empreendedor", o que pode atrasar, encarecer ou até inviabilizar o licenciamento, por falta de profissional qualificado.Além de determinar a composição da equipe responsável pelos estudos e exigir o currículo de seus integrantes, a Funai poderá vetar a participação daqueles que tiverem estudos pendentes ou considerados insatisfatórios ou reprovados pelo órgão.No que se refere aos relatórios, a Funai poderá solicitar "complementações" ou "revisões". Nesses casos, pedirá que a contagem dos prazos seja suspensa. Também poderá pedir a suspensão do prazo no caso de "evento específico das culturas indígenas que impossibilite a participação dessas ou a condução do processo" pela Funai. São brechas que podem retardar a concessão da licença. Só depois de cumpridas essas e outras exigências, e ouvidas as comunidades indígenas, a Funai "se manifestará, conclusivamente, sobre a concessão de licença de instalação" - necessária para a instalação do canteiro de obras -, o que é função privativa do Ibama ou dos órgãos ambientais dos Estados.Como 70% do potencial energético ainda não explorado se encontra na Amazônia, a Funai terá papel fundamental no andamento dos planos do governo para o setor. E, se as regras por ela estabelecidas não forem alteradas, isso provocará grande atraso num setor que já acumula atrasos excessivos.