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Os precatórios na OEA

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Por Redação
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A maneira irresponsável como Estados e municípios tratam habitualmente dos pagamentos de dívidas e obrigações financeiras reconhecidas pela Justiça - os chamados precatórios - levou a uma situação insólita. Alegando que o descumprimento das sentenças judiciais, pela prefeitura de Santo André, deixou vários credores idosos sem recursos financeiros para custear tratamentos médicos, o que acabou resultando na morte de vários deles, um escritório de advocacia daquela cidade levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. Os advogados argumentam que a inadimplência dos precatórios é uma forma de violação de direitos e garantias protegidos pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, pois a protelação dos pagamentos "é eternizada até a morte dos credores". Embora tenha sido a prefeitura de Santo André que deu o calote, descumprindo o que a Justiça determinou, o denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi o Estado brasileiro. O processo foi aberto em 2006 e ainda está na fase de admissibilidade. Nesta semana, as partes tiveram de apresentar as informações solicitadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso a denúncia seja acatada pela Comissão, um órgão da OEA, o Brasil pode responder por crime de violação de Direitos Humanos. E, se for condenado, pode ser proibido de receber recursos de órgãos multilaterais e agências de fomento, como o BID.Em 1994, o escritório de advocacia entrou com uma ação coletiva contra a prefeitura de Santo André, em nome de 3 mil servidores aposentados que pediam a revisão de suas aposentadorias. O processo tramitou durante oito anos, até o julgamento do mérito em caráter definitivo. A Justiça deu ganho de causa aos 3 mil servidores, mas eles jamais receberam um centavo. Com juros e correção monetária, o valor da ação coletiva já ultrapassa os R$ 200 milhões. No ofício enviado à Comissão, o escritório de advocacia reproduziu tudo o que os jornais publicaram durante anos, até a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) n.º 62, em dezembro de 2009, que estabeleceu regras mais rigorosas - mas nem por isso justas - para o pagamento de precatórios. O escritório mostrou a morosidade com que o processo tramitou nas diferentes instâncias judiciais, descrevendo os recursos protelatórios que a prefeitura de Santo André utilizou para tentar adiar o julgamento final. Além disso, enviou certidões de óbito de credores e laudos médicos de servidores portadores de doenças graves. Os advogados lembraram ainda que a prefeitura até hoje não incluiu a dívida no Orçamento, como determina a Constituição, e também não teria cumprido nem mesmo as disposições da EC n.º 62, que favoreceu os devedores em detrimento dos credores.Entre outras alegações, a prefeitura afirmou não dispor de recursos suficientes para honrar as dívidas judiciais. Também argumentou que, se fosse obrigada a cumprir as determinações do Judiciário, os serviços essenciais da cidade ficariam comprometidos. E, após ter sido condenada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em setembro de 2002, passou a criar dificuldades na fase de execução. E, assim, vários credores em idade mais avançada morreram sem receber seus créditos alimentares, apesar de terem sido vitoriosos na Justiça. "Quantos anos mais serão necessários para acabar com todos os credores, já no fim de suas vidas? É possível admitir a morte de 204 servidores, em 1994, como sequelas do ato omissivo da municipalidade? Dos funcionários que restam, muitos precisam de empréstimos bancários para pagamento de tratamentos médicos, sendo que possuem créditos para receber", diz o ofício enviado pelo escritório de advocacia à Comissão da OEA.Depois de se converter numa afronta ao Estado de Direito, o não pagamento dos precatórios, pelos Estados e municípios, agora se transformou num problema internacional que prejudica a imagem do País.