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Otimismo, mas com cautela

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Por Redação
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A confusão resultante da abordagem de traficantes por policiais, na última terça-feira, não foi certamente dos episódios mais graves ocorridos na Cracolândia, principalmente tendo em vista que, como diz o presidente do Conselho de Segurança (Conseg) de Santa Cecília, Fábio Fortes, “aquilo é uma Faixa de Gaza, um local de constante conflito”. Nem por isso deixa de ser ilustrativo do que se passa ali – de algumas das características do problema e dos caminhos e dificuldades para resolvê-lo – e, portanto, importante. Como mostrou reportagem do Estado, por meio de câmeras destinadas a monitorar o movimento na Alameda Dino Bueno, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) constatou a presença ali de dois homens que aparentemente estavam vendendo drogas, um deles com o que parecia uma arma de fogo. O fato foi comunicado à Polícia Militar (PM), que logo interveio. Quando foram prender os suspeitos, que se encontravam no meio de um grupo de usuários de crack, começou a confusão, porque, como explicou o comandante da GCM, Gilson Menezes, “os policiais foram sumariamente agredidos pelos integrantes do fluxo (a aglomeração dos dependentes), que fizeram a defesa dos dois indivíduos”. Um dos suspeitos feriu um policial com uma garrafada na cabeça, houve corre-corre e, segundo moradores e comerciantes da região, foram usadas bombas de efeito moral – informação que a PM não confirma – para dispersar o fluxo e controlar a situação. De qualquer forma, diz Menezes, “se houve bomba, é porque não havia alternativa para dispersar aquele pessoal que estava agredindo os policiais”. O episódio expõe as dificuldades de se lidar com um dos lados do problema – a repressão ao tráfico. Ela é essencial para que o outro lado, o da assistência social e do tratamento médico dos dependentes dispostos a se recuperar, por meio de programas bancados pelos governos municipal e estadual, possa ser bem feito. A experiência mostra que a pressão constante dos traficantes, tentando vender droga aos dependentes, complica o trabalho de sua abordagem e convencimento pelos assistentes sociais. Foi sempre difícil compreender por que as Polícias Civil e Militar, em vez de grandes e ruidosas operações, que produzem bons resultados – mas passageiros, pois elas são feitas apenas de tempos e tempos –, não apertam o cerco aos traficantes numa ação cotidiana, permanente. Principalmente porque o fato de a Cracolândia ocupar um espaço relativamente curto e bem delimitado facilita esse trabalho. Avanços ainda tímidos começam a ser feitos nessa direção e, o que é também animador, em conjunto pela Prefeitura e o Estado. Um deles é o acordo firmado no começo do ano pelo prefeito Fernando Haddad e o secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, para reunir as informações sobre os traficantes obtidas pelos serviços especializados dos dois governos. O repasse para a polícia das imagens colhidas pelas câmeras da GCM, como aconteceu nesse episódio, é um exemplo dessa ação que pode dar bons resultados. Outra medida acertada, destinada a evitar a entrada de drogas na região, são os bloqueios que a GCM montou nas principais ruas da Cracolândia para vistoriar bolsas e sacolas de pedestres em atitudes suspeitas. “Não vamos revistar todo mundo de forma indiscriminada”, garante Menezes, o que é bom para evitar antipatia e má vontade de moradores da região e também excessos que podem criar problemas legais. O histórico da ação do poder público na região – recheado de desencontros e atritos entre autoridades municipais e estaduais – recomenda cautela. Em breve saberemos se esse esboço de entendimento na área de segurança e a determinação da polícia de agir com maior rigor são mesmo para valer. Se também na área de assistência social e médica – na qual alguns programas polêmicos fazem mais barulho do que produzem resultados – se caminhar na mesma direção, o que deve ser visto com igual prudência, será possível melhorar a situação da Cracolândia.