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Otimismo e desgoverno

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Por Redação
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O Brasil continua a surfar na onda mundial de prosperidade, com superávit de US$ 15,2 bilhões em conta corrente e US$ 32,3 bilhões de investimento estrangeiro direto acumulados nos 12 meses terminados em junho. Esse investimento ingressa no Brasil não por causa, mas apesar dos juros elevados: é dinheiro destinado à compra, criação ou ampliação de empresas. A sobra de capitais no mercado internacional contribui para o crescente fluxo de investimentos no mundo emergente, com o Brasil entre os destinos mais procurados. O entusiasmo seria provavelmente menor, se a economia global fosse menos florescente. Mas a sobra de recursos para investir é apenas parte da história. Neste momento há um evidente otimismo em relação ao País e ao seu potencial de expansão e de geração de lucro. Poderá o Brasil justificar, a longo prazo, essa aposta em sua economia? O interesse do investidor estrangeiro é explicável, em parte, pela melhora dos fundamentos econômicos do País. A inflação é quase civilizada, a exportação tem crescido em ritmo acelerado e as contas de governo estão mais arrumadas do que há alguns anos. O risco país é agora menor que o da média dos emergentes e a fase dos pacotes mágicos parece haver ficado para trás. A economia ganhou impulso, depois de anos de estagnação, e há esperança, desta vez, de um crescimento mais vigoroso. Essa esperança seria uma certeza se o crescimento dependesse apenas do setor privado. Mas as empresas não funcionam sem condições criadas pelo setor público. Essas condições são pouco favoráveis no momento e podem tornar-se muito piores em alguns anos. "Fazer negócios no Brasil ainda é difícil", disse em Nova York o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. "As leis trabalhistas são um problema, nossa infra-estrutura está atrás da curva, há risco de falta de energia elétrica nos próximos anos e o sistema de tráfego aéreo é uma bagunça", disse o economista. Armínio Fraga foi otimista, ao situar a maior parte dos perigos no horizonte de longo prazo. O cenário presente já é desfavorável. O empresariado continua a queixar-se dos juros e do câmbio valorizado, mas, quando se vai ao fundo das questões, o discurso muda. Deficiências mal disfarçadas noutras épocas são evidenciadas de forma dramática pelo dólar barato. Sem a proteção do câmbio favorável, os produtores não têm como compensar o custo excessivo dos transportes, as perdas causadas pela insegurança pública, o absurdo peso da tributação, as amarras da burocracia estatal, a incerteza jurídica e a indefinição regulatória. O investimento é onerado não só pelos juros, mas principalmente por um sistema tributário pouco funcional. Quando conseguem vender seus produtos no exterior, produtores perdem rentabilidade por não conseguir liquidar seus créditos fiscais. Como os acidentes aéreos, todos esses problemas são produzidos pela conjunção de várias causas, mas com uma diferença: todas se relacionam com o poder público. Não se reformam os impostos, para valer, porque o governo não consegue controlar seus gastos. Não os controla porque não se dispõe a enfrentar dificuldades políticas. Ao agir por inércia, as autoridades são incapazes de recompor as despesas públicas, podando as menos produtivas e reservando recursos para investimentos e serviços úteis. Quando sobra algum dinheiro, os investimentos não saem porque falta capacidade gerencial. Se o setor público não tem dinheiro suficiente, é preciso recorrer ao investidor privado. Para isso é preciso apelar para concessões ou para parcerias. Mas para isso é preciso decidir, e decisão depende não só de competência gerencial, mas também de convicção política. No caso das parcerias e das concessões, ambas têm falhado. No fim, a combinação da inércia política, da hesitação ideológica e da incapacidade administrativa acaba prevalecendo. O apagão aéreo, já convertido em tragédia, é parente próximo da criminalidade florescente, do empreguismo e dos impasses em torno dos créditos fiscais. No dia-a-dia da incompetência, o governo desconversa prometendo mudanças. Quando a tragédia quebra a rotina, o presidente da República sai de cena e pára de fazer discursos. Passado o susto, desanda a falar novamente. Mas fica nisso.