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Outra fraude por meio de MP

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Por Redação
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Ao sancionar a Lei nº 11.960, que resultou da Medida Provisória (MP) nº 457, o presidente Lula perdeu excelente oportunidade de vetar um dispositivo sorrateiramente introduzido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), durante a votação no Congresso, alterando o índice de correção dos precatórios e causando, com isso, mais um vultoso prejuízo para os credores do poder público. Baixada há cinco meses, a MP nº 457 beneficia 1,2 mil prefeituras, autorizando-as a parcelar em até 240 meses as dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vencidas até 31 de janeiro de 2009, estimadas em cerca de R$ 20 bilhões pelas autoridades previdenciárias e fazendárias. A iniciativa foi justificada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, como uma estratégia do governo federal para receber os débitos previdenciários de responsabilidade dos municípios a que o INSS tem direito, mediante "parcelamento concedido sob condições especiais". Até a MP nº 457, o parcelamento só podia ser feito em 60 meses. Mas, assim que essa MP chegou ao Legislativo, alguns parlamentares recorreram ao conhecido expediente de enxertar "contrabandos" no texto original enviado pelo Palácio do Planalto. Um deles foi o senador Jucá, que aproveitou a votação no Senado para incluir na MP nº 457 uma antiga reivindicação de prefeitos e governadores, acabando com os juros de mora na correção das dívidas judiciais dos Estados e municípios. Desde 2001, a legislação estabelecia juros de 6% ao ano para os precatórios, mais atualização monetária pela inflação. Agora, graças ao "contrabando" introduzido por Jucá numa MP que deveria tratar exclusivamente de questões previdenciárias, as dívidas judiciais dos governos municipais e estaduais serão corrigidas pelo índice da caderneta de poupança. Na prática, isso representa mais um golpe nos cidadãos e empresas que têm direito a receber algum crédito dos Estados e municípios. Por ironia, a MP nº 457 foi aprovada no mesmo dia em que, na Câmara, o deputado Michel Temer (PMDB-SP) prometeu adotar providências para acabar com os "contrabandos" - ou seja, emendas estranhas ao objeto principal das MPs. Ao justificar sua iniciativa, Jucá alegou que ela é "benéfica para o contribuinte", uma vez que, quanto menor for o montante dos precatórios devidos pelos governos municipais e estaduais, "mais recursos sobrarão para investimentos". O argumento é cínico e oportunista, do ponto de vista político, pois os prefeitos e governadores querem aproveitar o dinheiro propiciado pelo calote em cidadãos e empresas para financiar obras que alimentem seus projetos políticos no pleito de 2010. O argumento de Jucá também é absurdo do ponto de vista jurídico, pois viola um dos princípios basilares da Constituição de 88, que define o Estado como uma instituição com personalidade jurídica e com deveres e obrigações legais que precisam ser rigorosamente cumpridos, sob pena de crime de responsabilidade de seus dirigentes. Prefeitos e governadores, cuja grande maioria há muito tempo não cumpre nem mesmo o cronograma de pagamentos de dívidas judiciais, optaram espertamente por pegar "carona" numa MP que tratava de débitos previdenciários porque temem que a PEC dos Precatórios, aprovada no Senado, não passe na Câmara. As entidades de advogados de defesa de credores de Estados e municípios classificaram a esperteza como "fraude" e "afronta à moralidade pública" e prometeram recorrer ao Supremo Tribunal federal (STF), sob a alegação de que a mudança no índice de correção dos precatórios não pode ter efeito retroativo, afetando dívidas que já foram objeto de sentença judicial. Esse é mais um exemplo de desvirtuamento do artigo 62 da Constituição, pelo qual uma MP só pode ser baixada "em caso de relevância e urgência". A "relevância" a que se refere o legislador constitucional é para o interesse de toda sociedade - e não para autoridades que descumprem ordens judiciais. Além disso, a matéria tratada pela MP nº 457 não tinha a menor urgência. Não fosse o interesse do presidente Lula em cortejar prefeitos para obter apoio à candidatura da ministra Dilma Rousseff, sua candidata à sucessão, em 2010, o parcelamento de débitos previdenciários de 1,2 mil prefeituras poderia ter sido encaminhado por projeto de lei.