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Opinião|Pacaraima, América do Sul

Um sintoma e um aviso dos males do populismo. É hora de superá-lo e mantê-lo bem distante

Atualização:

Sexta-feira, 17 de agosto, Pacaraima, Roraima. O comerciante Raimundo Nonato de Oliveira é atacado a pauladas, supostamente por quatro venezuelanos. No dia seguinte, em represália, brasileiros atacam um acampamento de refugiados, pondo fogo em barracas e outros pertences. Centenas de venezuelanos fogem de volta. As forças de segurança intervêm e controlam a situação.

Esse relato seria visto como uma típica ficção de realismo fantástico até há pouco tempo. A verdade é que a crise na Venezuela ameaça transbordar e, com isso, criar tensões geopolíticas inéditas na América do Sul.

A fuga em massa de venezuelanos aumentou nos últimos meses – não só para o Brasil, mas também para Colômbia, Equador e Peru. A economia da Venezuela entrou numa espiral de desintegração, agravada pela sucessão de trapalhadas – cada vez maiores – de seus dirigentes políticos.

Os números a respeito chegam a ser assustadores. A produção de petróleo caiu de 2,7 milhões de barris diários em 2015 para 1,5 milhão em abril deste ano. De 2013 a 2018, segundo dados do FMI, a economia da Venezuela ter-se-á reduzido quase à metade – uma queda de 45% em cinco anos. Segundo o professor Steve Hanke, da John Hopkins University, o país entrou em processo de hiperinflação em 2018. Pela variação do dólar no mercado paralelo, a inflação saltou de cerca de 1.000% anuais em julho de 2017 para 43.000% ao ano em junho de 2018.

A devastação institucional acompanha a econômica. O governo de Nicolás Maduro – seguindo o estilo do seu predecessor, Hugo Chávez – anulou atributos indispensáveis ao Estado de Direito por meio de manipulações na Constituição; destruiu a independência do Judiciário; perseguiu a oposição, impedindo sua participação no jogo político; incentivou o surgimento de milícias políticas que garantem a manutenção do poder a despeito de toda a deterioração econômica.

Na semana passada, Maduro anunciou um estranho coquetel de medidas econômicas. A moeda venezuelana, o bolívar, sofreu redução de cinco zeros. Uma enigmática moeda digital, chamada petro, cujo funcionamento não foi ainda bem definido, lhe servirá de âncora e terá cotação equivalente a um barril de petróleo, aproximadamente US$ 60. O salário mínimo, que foi nominalmente aumentado em 30 vezes, equivalerá a US$ 30.

Não se sabe ao certo o que ocorrerá na vigência das novas medidas. O governo anunciou que seu “detalhamento” será divulgado no correr dos próximos dias, passando a sensação de total improvisação. Pequenos empresários venezuelanos não sabem como pagarão os aumentos nominais dos salários e o governo promete que a diferença de custos será coberta por ele próprio – sabe-se lá como. A oposição convocou uma greve geral. Essa tentativa atropelada e desesperada de controle da inflação poderá redundar no desaparecimento da moeda nacional – que, de certa forma, é o fim inelutável dos processos de hiperinflação.

A tragédia venezuelana impõe algumas reflexões. Primeiro lembremos que, no Brasil, toda a trajetória de ruína imposta à Venezuela por Chávez e Maduro contou ora com o entusiasmo, ora com a condescendência dos governos petistas. As demais agremiações de esquerda, como o PCdoB e o PSOL, tiveram e têm a mesma posição, coerentes com o seu irremediável anacronismo. Segundo, à medida que a situação se deteriora na Venezuela, a tragédia humanitária se aprofunda e, dadas sua extensão e sua gravidade, pode levar a desdobramentos geopolíticos graves na região. A leniência em relação à ditadura de Maduro passa a ser, a cada dia, menos racional e mais temerária.

No Brasil, autoridades locais, diante da dificuldade de lidar com a chegada de um número crescente de refugiados, recorrem à União para que a fronteira seja fechada ou que os refugiados sejam levados para outros Estados. Quanto mais o tempo passa, maior a possibilidade de conflitos que podem escapar ao controle.

Não obstante, às vésperas das eleições de outubro, a maioria dos partidos tem se esquivado de precisar quais medidas e rumos o nosso país deve tomar a partir de 2019 em relação à Venezuela.

Vale notar que nossa economia segue em lenta convalescença, depois de uma das mais prolongadas e complexas recessões da História republicana. A campanha eleitoral deve permitir que criemos um antídoto contra as tentativas de relançar o Brasil no abismo populista. É preciso mostrar que o populismo lulopetista, apesar de ser mais moderado do que o bolivariano, se baseou em expansão creditícia desordenada, subsídios pouco criteriosos, investimentos mal programados, consumismo insustentável e expansão da dívida pública.

A profundidade das distorções a que foi submetida a economia brasileira não comporta soluções imediatas e impõe concertação e pragmatismo. Entretanto, com poucas exceções, o canto da sereia populista é o que mais se ouve. São campanhas de ideias vagas, temperadas pelo velho e ardiloso “sou contra tudo isso que aí está”, pelo menos até agora.

Diga-se que, em face das dificuldades políticas, a ação do atual governo tem sido positiva, com inflação controlada e algum crescimento econômico. Surpreendentemente, as turbulências econômicas recentes, como a desvalorização acelerada das moedas de países emergentes, até agora não nos têm trazido grandes perturbações. Mas esse cenário pode mudar se o governo a ser eleito não impulsionar com determinação e rapidez as chamadas reformas estruturais – como a da Previdência e a contenção (e revisão) dos chamados gastos obrigatórios. São medidas dependentes de reformas constitucionais, que exigem maioria no Congresso e, acima de tudo, clareza e determinação política.

Os eventos de Pacaraima são um sintoma e um aviso dos males que o populismo de estilo chavista traz a toda a América do Sul. É hora de superá-lo no continente e de mantê-lo bem distante de nós.

*SENADOR (PSDB-SP)