05 de novembro de 2015 | 02h55
O caso versa sobre a prisão preventiva e extradição de um cidadão venezuelano – George Owen Kew Prince – que está legalmente no Brasil, onde trabalha como executivo de uma empresa. O governo de Nicolás Maduro acusa George de ter cometido dois crimes – obtenção ilícita de divisas e associação para delinquir, uma espécie de formação de quadrilha prevista na Lei Antiterrorismo venezuelana. Em fins de setembro, o relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, decretou a prisão preventiva de George e, poucos dias depois, ele foi preso em São Paulo. O venezuelano teve o seu pedido de revogação da prisão liminarmente rejeitado e o recurso será agora analisado pela 1.ª Turma do tribunal.
O fundamento para o pedido de liberdade e não extradição é a falta de independência da Justiça venezuelana, agravada pelo desrespeito às garantias de defesa. A ordem de prisão na Venezuela foi expedida pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) – a polícia política do regime – e confirmada por uma juíza temporária, que não tem garantias de estabilidade. Semanas antes de proferir a decisão ratificando a prisão de George, a juíza Angela Carrillo Carrillo havia sido removida do cargo justamente por ter concedido liberdade provisória a executivos de outra empresa, num caso semelhante ao de George. Reconduzida ao cargo, ela assinou a prisão do executivo. O governo brasileiro lamentavelmente cumpriu o mandado internacional de prisão, como se fora beleguim de Maduro.
A Justiça da Venezuela não é independente em relação ao Poder Executivo. Ao contrário, há um sistema formalmente estabelecido que submete as sentenças judiciais à Comissão Judicial do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, com poderes para destituir magistrados cujas decisões não sejam do agrado da tal comissão. Há ainda casos como o da juíza Maria Afiuni, que não apenas foi destituída do cargo. Em 2009, a juíza foi presa por ter concedido liberdade a um inimigo de Hugo Chávez.
Há mais de dez anos a Human Rights Watch denuncia a falta de independência do Poder Judiciário venezuelano. Segundo relatório da entidade, apenas 20% dos juízes são estáveis em seus cargos e desfrutam de garantias constitucionais. O restante está formado por juízes provisórios (52%), temporários (26%) e ainda há uma parcela sem qualquer tipo de estabilidade (2%).
A Organização dos Estados Americanos (OEA) também denuncia há anos as constantes violações dos direitos humanos e a falta de independência da Justiça na Venezuela. Ao invés de retificar suas práticas, o governo venezuelano simplesmente solicitou em 2012 sua saída do Sistema de Proteção dos Direitos Humanos da OEA. E tudo isso com o silêncio cúmplice do governo brasileiro, que faz vista grossa às arbitrariedades bolivarianas e prioriza uma estranha relação de amizade. No Palácio do Planalto, a ideologia parece ter mais voz que os direitos humanos.
Há evidências de sobra de que o caso de George Owen Kew Prince viola gravemente as garantias mínimas relativas ao direito de defesa. Um Poder Judiciário que reiteradamente descumpre os direitos humanos não pode ter a pretensão de fazer valer suas imorais e ilegítimas decisões em outros países. O caso no STF é uma excelente oportunidade não apenas para a Justiça brasileira reafirmar sua posição de independência ante os interesses ideológicos do Palácio do Planalto. É também uma ocasião e tanto para o ministro Fachin confirmar suas juras de isenção proferidas solenemente durante sua recente sabatina no Senado.
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