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Parceria estratégica com a União Européia

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Por Rubens Barbosa
3 min de leitura

A percepção externa cada vez mais positiva sobre o Brasil, em larga medida, pode ser explicada pelo peso da nossa economia e pela crescente projeção do País no cenário internacional. Essa projeção externa abre perspectivas de o Brasil poder movimentar-se em novos cenários internacionais nos próximos anos. Refiro-me à futura participação nas discussões do G-8 em seu formato ampliado G-8+5 (Brasil, China, Índia, África do Sul e México), à aproximação do status de investment grade, ao convite para entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à decisão da União Européia (UE) de, por iniciativa própria, escolher o Brasil como aliado estratégico na América do Sul. Indo além do espaço geográfico regional, o Brasil se credencia como um ator internacional. Vou hoje me limitar a comentar a nova atitude da UE em relação ao Brasil. Em 2006, a Comissão Européia, órgão diretor da UE, aprovou documento que contém a proposta de uma nova estratégia com a América Latina, colocando o Brasil em posição especial, "tendo em conta a importância e o papel especial dos grandes países da região, em particular o Brasil, com o qual a UE dispõe apenas de pouco significativas estruturas de diálogo bilateral, e que padecem da falta de uma dimensão política". Em reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em fins de 2006, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, indicou essa mudança de posição em relação aos entendimentos mantidos até então com os países do Mercosul. A reunião de cúpula realizada em Lisboa, no dia 4 de julho, confirmou aquela sinalização e o Brasil passou a receber tratamento especial por parte da UE. Ao considerar o Brasil aliado estratégico, a UE decidiu elevar de patamar o diálogo político entre a UE e o Brasil, pondo-o no mesmo nível dos EUA, do Japão, do Canadá e da Rússia, da Índia e da China. Visto de uma perspectiva mais ampla, que razões teriam levado as autoridades de Bruxelas a diferenciar o Brasil no contexto sul-americano e do Mercosul? Em primeiro lugar, o interesse da UE em relançar as relações com a região, até agora relegada a uma posição de baixa prioridade. Talvez tenha também pesado na decisão a crescente complexidade do cenário político e econômico na América do Sul e no Mercosul e a percepção de que o Brasil pode atuar como um porta-voz e como um fator estabilizador e moderador na região. Em segundo lugar, a UE parece estimular a liderança do Brasil, como motor da integração regional, para avançar propostas concretas nessa direção, no tocante ao combate à pobreza, à desigualdade e à exclusão social, a marco regulatório, entre outras. Em terceiro lugar, a UE estaria indicando seu interesse em ampliar o diálogo político e tornar mais efetiva a cooperação no cenário internacional em temas globais como segurança internacional, energia, transportes, ciência e tecnologia. A decisão da UE, diga-se de passagem, é muito diferente da criada pela Argentina no tempo de Menem, quando buscou o status de aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sem ser membro da organização. Essa iniciativa argentina, feita sem consulta ao Brasil, teria tido, esta, sim, profundas implicações estratégicas para a região, caso tivesse sido levada a sério pela Otan... Do ponto de vista do Brasil, as conseqüências da condição de parceiro estratégico parecem claras. Mesmo que uma situação vantajosa como essa não seja aproveitada em decorrência do equívoco de atribuir, na política externa e comercial, alta prioridade às relações Sul-Sul e baixa relevância ao mundo desenvolvido, dentro de uma perspectiva de médio e longo prazos, estão lançadas as bases para um relacionamento mais estreito com um dos mais importantes parceiros políticos, econômicos e comerciais do Brasil. Com esse salto qualitativo, as relações bilaterais tenderão a se estreitar com a elevação do patamar dos contatos e com a intensificação e a freqüência das visitas oficiais de alto nível. O diálogo político será maior e de nível mais alto, colocando o Brasil como o principal interlocutor da UE na América do Sul. Os vínculos empresariais tenderão a se ampliar, propiciando maior contato e maior informação entre empresas de ambos os lados. Resta saber como reagirão nossos vizinhos e parceiros do Mercosul, sempre tão ciosos em aproveitar os espaços abertos pelo peso específico do Brasil, mas também sempre tão relutantes em reconhecer a importância do Brasil na região e em aceitar o aprofundamento do processo de integração regional. As negociações comerciais estão excluídas desse diálogo, visto que o fórum em que elas ocorrem não é bilateral, mas sim regional, no contexto do Mercosul. O novo formato do diálogo do Brasil com a UE deverá certamente facilitar o entendimento comercial com o Mercosul e tranqüilizar nossos vizinhos, sobretudo a Argentina, que viram na decisão européia uma tentativa do Brasil de afastar o Mercosul das conversações com a UE com o objetivo de abrir negociações comerciais bilaterais. Cabe ao Brasil assumir suas responsabilidades nesta nova fase, que apenas se inicia, e aprofundar o processo de diferenciação em relação a nossos vizinhos. O Brasil tem interesses próprios a defender. O importante é aproveitar essa oportunidade aberta pela UE para uma ainda maior projeção externa do Brasil. Temos de passar a considerar mais seriamente nossos interesses, nem sempre adequadamente defendidos quando procuramos justificar atitudes injustificáveis contra interesses concretos ou retoricamente fazer gestos generosos e solidários, nem sempre correspondidos pelos nossos vizinhos sul-americanos e parceiros de outras regiões.