Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Pequenos traficantes

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

Ao assumir a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, que acaba de ser transferida do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para o Ministério da Justiça, o advogado Pedro Abramovay propôs o fim da pena de prisão para pequenos traficantes, alegando que a medida ajudará a reduzir a superlotação carcerária e evitará o envolvimento de delinquentes de baixa periculosidade com as facções que controlam as cadeias e penitenciárias. Segundo as estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional, os traficantes de drogas representam, hoje, quase 20% da população carcerária.Em entrevista ao jornal O Globo, do Rio, Abramovay diz que a Lei Antidrogas - que entrou em vigor há quatro anos - é um dos principais alimentadores da superlotação dos estabelecimentos penais. Entre outras inovações, a lei aprofundou a distinção entre o usuário e o traficante, que já era prevista pela antiga Lei de Entorpecentes, editada em 1976, passando a tratar o primeiro de modo leniente e o segundo com mais rigor.A Lei de Entorpecentes punia o viciado com pena de detenção de 6 meses a 2 anos e o traficante com pena de 3 a 10 anos. Sob a justificativa de modernizar e humanizar as formas de tratamento do vício, a Lei Antidrogas abrandou significativamente a punição aplicada ao usuário, estabelecendo penas alternativas - tais como advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas. Já para os traficantes, a Lei Antidrogas estabeleceu penas de prisão mais rigorosas, que podem chegar a até 20 anos de prisão (para quem, por exemplo, financiar o narcotráfico). Foi isso, segundo Abramovay, que teria causado o colapso do sistema prisional. "O usuário não tem prisão e, do jeito que está hoje, praticamente não tem pena. E para o traficante há uma pena altíssima. Só que a realidade é muito mais complexa, porque você não tem só essas duas divisões. Depois da lei, houve uma explosão carcerária. Em 2006, eram 60 mil pessoas presas por crimes relacionados a drogas. Hoje, há 100 mil pessoas presas. Não dá para ter na cadeia 40 mil pessoas que não deveriam estar lá. A gente está pegando quem não tem ligação com o crime organizado, botando na prisão e, pouco tempo depois, já com ligação com o crime organizado, devolvendo-o à sociedade. Temos de fazer uma opção entre disputar o pequeno traficante, para reintegrá-lo à sociedade, ou desistir dele, entregando-o ao crime organizado", diz o secretário nacional de Políticas sobre Drogas. A proposta por ele apresentada não é nova. Vem sendo defendida pelo Ministério da Justiça há mais de dois anos, sob a justificativa de que a revogação de penas de prisão para os pequenos traficantes evitaria o contágio dos pequenos pelos criminosos mais perigosos, além de permitir que a polícia concentre o trabalho de repressão nos grandes traficantes. No segundo semestre de 2009, o próprio Abramovay - que na época estava à frente da Secretaria de Assuntos Legislativos - negociou a apresentação de um projeto de lei nesse sentido com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Como os militares do GSI - ao qual estava subordinada a antiga Secretaria Nacional Antidrogas - não viram a proposta com simpatia, ela foi deixada de lado. Ressurge, agora, com a transferência do órgão para a alçada civil do Ministério da Justiça.Evidentemente, a proposta é polêmica. Para os que a apoiam, o País estaria encarcerando muitos pequenos traficantes sem, contudo, ter sucesso na luta contra o narcotráfico. Para os que a criticam, a revogação de todas as penas de prisão para os pequenos traficantes estimula o envolvimento de jovens e adolescentes com o crime. Sem o risco da prisão, o pequeno tráfico passa a ser um excelente negócio. Consciente deste risco e disposto a evitar que a polêmica se converta em problema político no início de sua gestão, o ministro Martins Cardozo afirmou que a proposta do secretário Abramovay não é prioritária no Ministério da Justiça. Isso dá a medida da falta de articulação administrativa do governo, uma vez que ministros e secretários foram escolhidos não com base numa filosofia de gestão, mas em função de injunções partidárias.