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Pesadelo burocrático

No Norte do País, rodovia está sem asfalto há 17 anos por falta de regularização de licenças ambientais

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Por Redação
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O Brasil poderia ser um país próspero e socialmente mais justo não fossem os grilhões da burocracia estatal, da ineficiência e do desmazelo na gestão dos recursos públicos que o mantêm preso ao atraso. O País precisa ser libertado desse arrasto a fim de criar o ambiente propício para os investimentos em infraestrutura para cobrir o crônico déficit do setor e, assim, criar condições para o crescimento e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

São muitas as justificativas dadas aos contribuintes pelos administradores públicos para tentar explicar o inexplicável. Cada órgão da burocracia tenta resguardar seus interesses antes de agir tendo como objetivo o interesse público. A vítima dessa guerra de portarias, pareceres, carimbos e assinaturas é uma só: o País.

Sob qualquer ângulo que se olhe para o caso, é impossível encontrar explicação para o inacreditável pesadelo burocrático que mantém a BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), sem asfalto há 17 anos por falta de regularização de licenças ambientais. A obra data da década de 1970 e ao longo desse tempo soçobrou diante das chuvas amazônicas e do crescimento da floresta em seu entorno.

Reportagem do Estado mostrou que a providência óbvia, o recapeamento da rodovia, sucumbiu ao kafkiano processo burocrático para realização de estudos sobre a fauna, a flora, os índios, a arqueologia e epidemiologia na região. Sem estes estudos, alega-se, as licenças não são emitidas e a obra não pode ser executada. A novela se arrasta, vale repetir, há 17 anos. “Não há justificativa plausível para isso”, admitiu o secretário executivo do Ministério dos Transportes, Herbert Drummond, em audiência pública realizada no Senado para tratar dessa questão. Não há mesmo.

O absurdo da situação da BR-319 leva a crer que alguns órgãos da administração pública devem se aferrar a seus processos internos não porque eles façam algum sentido, mas como razão única para justificar sua própria existência. E quando a exigência é pertinente, não é raro que seja tratada em um prazo muito dissociado da necessidade que a ensejou. O vaivém burocrático que impede a obra de recapeamento da rodovia já custou R$ 111,5 milhões aos cofres públicos e inflige à população local uma série de dificuldades de locomoção que, na prática, faz dos moradores da região “cidadãos de segunda classe”, como classificou o governador de Rondônia, Daniel Pereira, presente à audiência pública no Senado.

O pesadelo da BR-319 começou em 2001, quando o recapeamento foi autorizado pelo órgão ambiental do governo do Amazonas. Mesmo autorizada, a obra não foi realizada até 2005, ano em que o Ibama informou que caberia a ele a liberação por se tratar de rodovia federal. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão responsável pela execução da obra, alegou que as obras de recapeamento não precisam de licença ambiental. A alegação do Dnit faz sentido, já que se trata de um reparo em obra já executada. Portanto, supõe-se que tenha recebido as devidas licenças. Só dois anos depois, em 2007, a pendenga burocrática foi arbitrada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que intermediou um acordo pelo qual seria necessário licenciar a obra no trecho entre os quilômetros 250 e 655,7.

Mas quem esperava uma solução após o acordo subestimou o poder da burocracia estatal. O Ibama fez novas exigências, pediu novos estudos, a Funai fez o mesmo e a obra está parada até hoje. A BR-319 seguirá com terra batida até outubro, quando serão feitas duas audiências públicas com comunidades indígenas.

O Estado não existe como um fim em si mesmo, voltado para os próprios interesses das infindáveis categorias que compõem o serviço público. Não se deve negar a importância de órgãos como o Ibama ou a Funai, entre outros, mas eles precisam servir a um propósito muito maior do que seus próprios processos. A vida dos cidadãos e o crescimento do País não podem ser travados por eles.