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Plano B para o comércio

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Por Redação
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A mais ambiciosa negociação comercial da história, a primeira voltada para os interesses de 153 países desenvolvidos e em desenvolvimento, pode ser congelada oficialmente por tempo indeterminado e desembocar, depois de dez anos de trabalhos, num acordo prosaico para redução de burocracia aduaneira. Mas até esse resultado modesto só será possível se as discussões forem retomadas, em breve, no ponto onde foram interrompidas, sem perda dos avanços conseguidos até agora. O maior fracasso, com as piores consequências para o Brasil e outros países emergentes, seria um retorno ao ponto zero, com a eliminação de todos os acordos parciais já obtidos, como já defendeu em mais de uma ocasião o governo democrata dos Estados Unidos. O comércio global, hoje estimado em cerca de US$ 16 trilhões por ano, poderia crescer 5% com a mera redução da burocracia aduaneira, segundo cálculos da Organização Mundial do Comércio (OMC). O ganho para o Brasil poderia ser de US$ 530 milhões anuais, segundo informou reportagem publicada no Estado de ontem. Esse acordo serviria para salvar alguma coisa da Rodada Doha, lançada no Catar, com muita fanfarra e muito discurso otimista, no fim de 2001. Havia motivos, na ocasião, para expectativas otimistas, embora se previssem negociações muito duras e muito complexas. Havia um fator político de enorme importância: o próprio lançamento das negociações, conhecidas também como Rodada do Desenvolvimento, foi em parte uma resposta ao terrorismo, poucos meses depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. Além disso, o comércio havia crescido vigorosamente durante vários anos e a integração dos mercados era amplamente valorizada como um fator de prosperidade. Finalmente, havia a pressão das economias emergentes e em desenvolvimento em busca de uma participação mais equitativa no comércio. A liberalização do mercado agrícola seria uma das principais novidades. As negociações avançaram com ímpeto durante algum tempo. O primeiro tropeço ocorreu em 2003. Outros ocorreriam nos anos seguintes, inicialmente por causa da resistência à reforma agrícola no mundo rico. Mas as discussões progrediram, apesar de tudo, e os caminhos para a liberalização foram abertos.Outros problemas surgiriam, no entanto, e nos anos seguintes boa parte dos obstáculos seria criada por países emergentes e em desenvolvimento. Alguns não estavam dispostos a uma abertura maior de seus mercados para bens industriais. Outros nem mesmo aceitavam reduzir as barreiras a importações de alimentos, embora cobrassem essa abertura dos demais países. As interrupções se tornaram mais frequentes e o último avanço relevante ocorreu em 2008, com a elaboração de um promissor rascunho de acordo. Na semana passada, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, apresentou aos governos um amplo material com o resumo de dez anos de trabalho. O material é acompanhado de uma carta com uma avaliação dos avanços e das dificuldades. Segundo Lamy, as negociações sobre produtos industriais apresentam um impasse dificilmente superável nas condições atuais. Ele não menciona esse detalhe, mas a crise iniciada em 2008 tornou mais difíceis quaisquer concessões comerciais. Isso é muito sensível no ambiente norte-americano, mas também na Europa as pressões contra a liberalização agrícola recrudesceram. Sem mostrar ilusões em relação às possibilidades de novos avanços a curto prazo, Lamy adverte, no entanto, para os enormes custos de um abandono definitivo das negociações. Serão perdidas grandes oportunidades de crescimento econômico para todos. O sistema multilateral será enfraquecido e a própria OMC poderá perder eficácia como instância disciplinadora. Um plano como o da reforma aduaneira é certamente modesto, diante do projeto inicial da Rodada, mas poderá proporcionar, além de ganhos diretos, o benefício indireto de manter vivo o compromisso com a Rodada e com os acordos parciais já conseguidos. No caso do Brasil, até a mera desburocratização da atividade aduaneira poderá ser uma trabalhosa conquista.