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Ponto livre na Assembleia

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Por Redação
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Antes se lia: "A frequência do servidor será registrada diariamente por assinatura em livro próprio, mantido na unidade de sua locação". E agora se lê: "A frequência do servidor será registrada por assinatura em livro próprio, mantido na unidade de sua locação". Como se vê, o ato administrativo n.º 21/2012, de 11 de dezembro do ano passado, da Assembleia Legislativa de São Paulo é quase uma cópia literal do artigo 9.º da Seção IV ("Da frequência") do ato n.º 0030 de 2010, que valia antes. À alteração só ficou faltando uma palavra - o advérbio "diariamente" -, drasticamente suprimida mercê de decisão tomada pela Mesa Diretora da Casa, composta pelo presidente, Barros Munhoz (PTB), pelo primeiro-secretário, Rui Falcão (PT) e pelo segundo, Aldo Demarchi (DEM). Da direita à esquerda o trio é cúmplice da oficialização da "gazeta", a ausência autorizada do funcionário público no local onde deveria trabalhar.Ninguém deve imaginar que a generosidade dos dirigentes da Casa que elabora as leis vigentes no maior Estado da Federação resulte da pressão corporativista ou de prestígio político dos assessores dos deputados. Nada disso: a prática visa mesmo é a liberar de vez o absurdo uso de dinheiro público para remunerar o trabalho desempenhado fora da Assembleia por cabos eleitorais dos parlamentares. Ou seja, o cidadão comum, que nada tem que ver com o peixe, arca com as despesas de pagamento de pessoal cuja função precípua é trabalhar para reeleger o chefe.A enunciação dos números denuncia a intenção da providência. A Assembleia paulista dispõe de 3.503 servidores e 2.492 ocupam cargos de confiança dos 94 deputados estaduais, cada um dos quais autorizado a contar com 32 assessores em seu gabinete. Isso quer dizer que 68% dos funcionários pagos pelo contribuinte para atenderem ao Poder Legislativo são nomeados pelos deputados para cumprirem tarefas do interesse destes. Apenas 874, ou seja 32% do total, são funcionários efetivos, que teoricamente desempenham missões para a instituição, e não para seus membros. Dos R$ 844 milhões previstos pelo Orçamento da Casa para este ano, 78% destinam-se exclusivamente a pagamento e encargos de pessoal.As regras vigentes anteriormente nunca foram draconianas. Em pleno século 21, haveria a possibilidade de empregar os velhos relógios para marcação manual de ponto no começo e no fim do expediente. E há sistemas mais eficientes que usam tecnologia eletrônica, capazes de identificar o trabalhador pela íris ou pelas impressões digitais. Este é o caso do controle biométrico adotado pelo Senado Federal em reação a denúncias publicadas sobre a existência de um grande número de funcionários fantasmas. Mas a Assembleia não aposenta o livro de ponto: ele é - e continuará sendo - escrito a mão. Esses livros só são substituídos quando acaba o espaço para as anotações. E comenta-se que se passam meses até que se providencie a substituição do livro em gabinetes de deputados menos exigentes. Nem todos os parlamentares são rigorosos como o Major Olímpio (PDT). Ele é um dos mais severos críticos do método: "É um controle extremamente tupiniquim. Um poder que tem o dever de fiscalizar mereceria ter um sistema de controle mais confiável". Com ele concorda Carlos Giannazi (PSOL), que define o livro de ponto como "arcaico".A direção da Casa, contudo, nunca cogitou a possibilidade de mudar esse método. E justificou a oficialização da "gazeta" como uma adequação da norma que controla o ponto à Resolução n.º 2006, que dispensa funcionários dos deputados estaduais e das lideranças que trabalham em escritórios de representação de darem expediente na capital. A manutenção do livro de ponto manuscrito e a dispensa da frequência diária para todos os funcionários, contudo, põem a nu a real intenção do trio dirigente: cobrar do eleitor a conta pela reeleição dos colegas.Correção - A matriz de responsabilidades para a Copa de 2014, ao contrário do que está escrito no editorial Obras atrasadas para a Copa, publicado ontem, não foi assinada em 2007, mas em 2010.