Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Populares ou acessíveis, que diferença faz?

Suspeita-se que haja, sim, espaço para planos de saúde com preços menores

Atualização:

“Planos populares” ou “acessíveis” foi uma ideia lançada pelo Ministro da Saúde para ampla discussão na sociedade. Não obstante os graves percalços de comunicação por ocasião de seu lançamento, que originaram forte oposição, a ideia teve o mérito de conduzir as discussões para o ponto nevrálgico dos planos e seguros de saúde: a escalada dos custos da atenção à saúde e seus principais propulsores. Em nenhum país a saúde do povo está na dependência exclusiva de um único setor, público ou privado; ambos coexistem para que os cidadãos tenham acesso aos melhores serviços que a tecnologia e as possibilidades econômicas permitem. Os dois setores podem operar em concorrência, complementação ou suplementação, a depender de história, costumes, forma de organização e cultura de cada um. Na nossa sociedade são bem conhecidas as limitações que o setor público tem para atender adequadamente os cidadãos, embora a atenção à saúde seja direito constitucional de todos e dever do Estado. Essa limitação causa insatisfações, agravadas pelas aspirações que se formam no acesso instantâneo às notícias de novas tecnologias médicas, enquanto as possibilidades materiais ou econômicas permanecem as mesmas. Parece claro que o intuito da proposta foi melhorar as possibilidades de acesso à saúde aos brasileiros, permitindo a mais indivíduos a aquisição de planos privados. Tomando como dada a capacidade do Estado de atender a população nos serviços de saúde – limitada que está pela dotação orçamentária das três esferas de governo –, cada real que for espontaneamente dedicado por pessoas e empresas à saúde privada será um real para a saúde do brasileiro. Nesse ponto a comunicação do ministro foi precisa. Acrescentar dinheiro para a saúde já é uma razão respeitável para a proposta de planos que custem menos que os atuais e caibam nas possibilidades econômicas dos compradores – empresas e indivíduos. Pensado assim, o plano acessível destina-se a quem sonha em ter um plano de saúde, mas não trabalha em empresa que patrocine esse benefício para seus colaboradores nem tem renda suficiente para pagá-lo. Destina-se, portanto, a dezenas de milhões de brasileiros, e não apenas aos que deixaram os planos por terem perdido o emprego por causa da crise econômica. O plano “popular” permitirá o acesso à assistência à saúde sem a necessidade da espera pelo atendimento público. O sistema privado em nada subtrai (nem acrescenta) à capacidade de operação do SUS. Vale lembrar, no entanto, que a cobertura obrigatória assistencial dos planos de saúde vai até os termos dos contratos e das normas que regulam a matéria. Sendo assim, um plano popular é factível? Não dá para saber a priori. Suspeita-se que haja, sim, espaço para planos com preços menores, já que diversos estudos apontam a existência de grandes desperdícios. Planos que incentivem o uso adequado e inibam as perdas podem custar menos. A conclamação foi para enfrentar a questão, examinar alternativas e possibilidades, determinar as condições necessárias, suficientes e aceitáveis por ambas as partes (consumidores e empresas) para planos mais em conta. O que estarrece é a atitude, em especial dos que têm a missão de defender os interesses dos consumidores, de se negar a participar dos debates, de esconjurar a ideia e até ameaçar com ações judiciais num assunto que pouco conhecem. A participação lhes permitiria delinear mais adequadamente as condições de contorno desses planos, ou expor as razões por que tais propostas não seriam viáveis ou de interesse dos consumidores, que têm a missão de defender. Parece-me, francamente, obscurantismo recusar-se ao debate e combater o que desconhece. A pluralidade de visões é essencial na vida democrática; o obscurantismo, esse, sim, deveria fazer parte apenas do triste passado. A oposição cega, que se nega à discussão, pode ter suas raízes em questão de princípio – a de que a atenção à saúde deve ser reservada exclusivamente ao Estado. Portanto, uma questão de fé, não de razão. Essa visão não reconhece as limitações orçamentárias dos poderes públicos – ao Estado tudo seria permitido, bastando vontade política de alocar recursos suficientes, e o eventual desrespeito à questão fiscal não teria consequências desastrosas, como as que o Brasil vem vivendo nos dois últimos anos. Parece óbvio que todo atendimento privado dispensa a mesma assistência oferecida pelo setor público – uma pessoa a menos nas filas do SUS. Aparentemente, a maior limitação do sistema público é o acesso à média e alta complexidade. Por isso o plano acessível deve contemplar todas as coberturas usuais dos planos existentes e pode custar menos se forem permitidas as condições já listadas no documento enviado à ANS: coparticipação, franquia, regras claras de reajuste que assegurem a economicidade da carteira e estimulem ganhos de eficiência, prazos de atendimento compatíveis com a disponibilidade de infraestrutura regional, entre outras. Uma medida importante é o recurso ao médico de família, que é o coordenador dos cuidados assistenciais. A coordenação do cuidado é essencial para evitar conflitos de tratamentos, especialmente nas idades avançadas, em que as pessoas têm múltiplas doenças crônicas. E o Brasil caminha aceleradamente para ser um país de idosos. A discussão frutífera requer que se abandonem, ainda que momentaneamente, posições dogmáticas ou derivadas de princípios não fundamentados, que não encontram respaldo na nossa experiência histórica ou de outras nações. Pode ser que ao final da jornada se chegue à conclusão da inviabilidade de planos mais em conta; nesse caso teremos de continuar pagando preços altos, até incompatíveis com a renda de muitas pessoas e empresas, e, assim, depender cada vez mais do sistema público. Mas pode ser que se encontre um caminho para o combate à escalada de custos dos planos e, em paralelo, se desenvolva uma assistência à saúde privada ainda mais humanizada e assertiva. * DIRETOR EXECUTIVO DA FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (FENASAÚDE)