20 de janeiro de 2014 | 02h05
Essa distorção evidente do dispositivo legal ocorre, de acordo com a coordenadora-geral do Funpen, Michele Silveira, principalmente pelo contingenciamento anual do Orçamento da União. Como este não é impositivo, nem toda a verba orçada é usada e este fundo tem sido alvo frequente de cortes determinados pela equipe econômica do governo para cumprir o chamado esforço fiscal, que impõe redução de despesas para evitar o desequilíbrio nas contas públicas. Por isso, tanto dinheiro é mantido em caixa.
A coordenadora também atribui parte da responsabilidade aos Estados. Segundo ela, mesmo que pudesse, não teria como repassar o montante integral do fundo para eles, porque alguns projetos de construção de presídios apresentados por governos estaduais esbarram em problemas técnicos e ambientais ou em denúncias de corrupção. Esses problemas às vezes motivam a devolução de dinheiro encaminhado a Estados.
Nove meses após o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, ter denunciado a situação "desumana e caótica" dos presídios brasileiros e a dois de o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, os haver chamado de "medievais", enfatizando que preferia morrer a viver neles, permanecem entraves burocráticos para ampliar e aprimorar o sistema. Uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), tida por especialistas como muito rigorosa, entre vários despropósitos, exige que toda penitenciária tenha um determinado número de vagas em estacionamentos, uma metragem específica para a sala do diretor, salão de cabeleireiro e barbearia, além de infraestrutura médica - laboratórios de diagnóstico e salas para raio X. Isso, é óbvio, dificulta e até torna inviáveis vários projetos.
A revelação recente da tragédia do presídio de Pedrinhas, em São Luís, chamou a atenção para o fato de o Brasil ter um déficit de 168.934 vagas para detentos, que são amontoados em presídios espalhados pelo País: em 68% das prisões há mais do que nove presos por vaga. Os dados do sistema Geopresídios, do Conselho Nacional de Justiça, revelam que a situação poderia ser pior: há em aberto 162.550 mandados de prisão que ainda não foram cumpridos. Caso fossem, o déficit dobraria. Este não é o único problema, mas na certa o uso das verbas que a lei prevê para construir e modernizar presídios como o maranhense e a supressão de exigências descabidas como as citadas aliviariam o inferno em que vivem os presos, como sardinhas em lata.
Uma das maiores tragédias sociais brasileiras é a violência e esta resulta, em grande parte, da ferocidade com que os chefões do crime organizado condenados disputam espaço e poder em cadeias em que não lhes é permitido viver de forma minimamente digna. A culpa não é de um governo, um partido ou um Poder isolados, mas da inércia dos agentes responsáveis, que, a agirem para pôr fim a absurdos como engordar o saldo do Funpen em vez de empregar bem o dinheiro que a lei manda aplicar e para remover obstáculos absurdos como os entraves burocráticos citados, preferem cruzar os braços e ver as celas pegarem fogo.
Encontrou algum erro? Entre em contato