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Por que crises prosperam ou morrem?

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Por Alexandre Barbosa
4 min de leitura

Crises só prosperam se tiverem foco claro e se o Zé da Poltrona sentir que um pedaço do dinheiro roubado saiu do seu bolso. Quanto mais famoso o acusado, mais fácil a prosperidade da crise. E mais: precisam estar centradas em Brasília. Se começarem em outras cidades, precisam ser transferidas para Brasília, que é a única que tem repercussão nacional. Por que Collor caiu e o mensalão não deu em nada? Por que Getúlio se matou? Por que ninguém mais se lembra de uma CPI que investigou irregularidades cometidas por um ministro de Collor? Análise política baseia-se em fatos e intuições. Muitos números ajudam, mas não definem por que ou quando as crises políticas vão adiante. Em economia é diferente: os números não mentem. O problema é a tendência das pessoas de não acreditar nos números. A história das crises políticas precisa de mais casos passados para comparar e ajudar a entender o presente. Crises só têm consequências dramáticas quando prosperam nos grandes centros. Poucas crises em Belo Horizonte, Florianópolis ou Belém do Pará se tornaram nacionais. Exemplos: as acusações contra a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, ou a cassação do mandato do governador do Maranhão, Jackson Lago. Quanto mais conhecido o investigado, maior a chance de a crise prosperar. Quem se lembra do nome do deputado do castelo no interior de Minas? Aquele castelo, para os brasileiros, era tão real quanto o castelo da Branca de Neve na entrada da Disney ou o Castelo Neuschwanstein, na Baviera (o preferido por dez entre cada nove agências de viagens). A mansão de Michael Jackson era mais real que o castelo do deputado. Ou seja, o que ninguém viu deixa pouca lembrança. Essa é a mesma razão por que conflitos envolvendo os sem-terra no interior do Brasil emocionam menos do que os que envolvem os sem-teto urbanos. Quando um grupo invade uma fazenda no interior, isso rende alguma centimetragem quadrada no jornal ou alguns segundos na TV, mas some da memória antes que o Zé chegue à página de esportes ou aos gols da rodada. Mas quando os sem-teto invadem um prédio em São Paulo, todos sabem: o engarrafamento para a cidade inteira. E a TV está ali mesmo para cobrir. Só quem esteve lá pode comparar o massacre de Eldorado dos Carajás com o do presídio do Carandiru. A razão é óbvia: o Carandiru estava ali mesmo e a cobertura da imprensa foi muito maior e mais intensa do que no meio do nada. O sequestro do ônibus 174, em 12 de junho de 2000, no Rio de Janeiro, emocionou o Brasil ao vivo pela TV, virou filme, gerou teses de mestrado. Por quê? Porque ocorreu a menos de cinco minutos da sede da TV Globo. Fácil deslocar uma equipe para lá e transmitir todo o desenrolar da crise. Satisfeitas as três condições, o Zé da Poltrona entende que aquela trapalhada está roubando um pedaço do dinheiro dele. Ele entende como isso acontece: "Usam o meu dinheiro para comprar joias ou para empregar parentes que não fazem nada, enquanto eu fico aqui ralando noite e dia para ganhar essa porcaria de salário." Quem se lembra de quantas pessoas foram inquiridas na CPI do mensalão? Aliás, era do mensalão ou esse era um apelido da CPI dos Correios? Ou eram duas CPIs? Quem era acusado? Quem era testemunha? Teve um que chorou. Mandava dinheiro para uma conta com um nome esquisito, Du qualquer coisa (Düsseldorf), nas Ilhas Cayman (que é isso mesmo?). E tinha um carequinha com cara de nojento. Todos se lembram do confisco da poupança: "Foi o Collor que tirou meu dinheiro! Foi o presidente! Fiquei sem dinheiro!" Fácil de lembrar, entender e se indignar. Quando veio a CPI de Collor o vilão era ele. Quem deu a partida na CPI levou essa vantagem. É fácil analisar as coisas a posteriori e mostrar como uma crise estava fadada a ser grande. No início ninguém sabe disso. Quem provoca a investigação da mutreta faz uma aposta: essa vai para a frente. Bem, falei do Zé da Poltrona, mas me esqueci de apresentá-lo. Ele é etéreo. Não existe nem tem endereço. O Zé da Poltrona é o telespectador modal brasileiro. Mais de 93% dos lares brasileiros têm uma TV. Ela é a maior fonte de entretenimento e também a maior fonte de notícias. Em muitos lares fica ligada desde que as pessoas acordam até que o último vai dormir. O Zé da Poltrona é autônomo em relação à TV. Se gosta, assiste. Se não gosta, muda de canal ou vai à geladeira pegar uma cerveja. Se nada servir e o jogo da noite estiver ruim e não for do time dele, vai dormir. O Zé da Poltrona é o dono do tamanho da crise. No início do mensalão, muita gente achou que o governo ia cair. Não caiu porque o Zé perdeu o interesse e preferiu a cerveja. Na queda de Vargas, em 1954, não havia TV. O rádio e os jornais dominavam. No Rio de Janeiro havia dois jornais de crise (A Tribuna da Imprensa e a Última Hora). Eram vespertinos. Se você passava na banca às 2 da tarde e os dois já estavam esgotados, a crise era séria. Apesar dos mais de 100 milhões de Zés, ainda são os Zés das grande cidades que definem as crises. Se alguém convocar uma passeata e eles souberem o que estão perdendo na crise, se acham que é muito e o culpado tem nome, endereço e CPF, vão para a rua e a crise pode ficar séria. Se nada disso acontecer, deputados e senadores podem até perder o cargo, mas a crise para por aí. E o jogo recomeça na eleição seguinte. Sobre a crise em que o senador José Sarney é grande acusado, o foco está num famoso e conhecido ex-presidente da República. A acusação é fácil de entender: pagava aos parentes e empregados com um naco do dinheiro do Zé. Quando o acusado consegue que a Justiça censure o Estadão, a crise é séria. A censura é a última trincheira. Alexandre Barros, cientista político (Ph.D. University of Chicago) é diretor-gerente da Early Warning: Análise de Oportunidade e Risco Político