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Positivo, mas para os bancos

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Por Redação
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Os bancos têm motivos para classificar como "momento histórico" a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que regulamenta a atuação dos bancos de dados de proteção ao crédito e torna possível a criação dos cadastros positivos dos tomadores de empréstimos. Passarão a dispor de informações completas sobre seus clientes, o que lhes dará mais segurança para operar. Desse modo, será possível reduzir os custos das operações, afirmam, com o apoio do governo. Para os clientes interessados em obter financiamentos, porém, a criação desses cadastros ameaça a sua privacidade. E nada garante que a consequência direta do cadastro positivo será a queda dos juros para os financiados. Conhecendo melhor os hábitos financeiros de seus clientes, o banco pode avaliar com mais precisão o risco da operação e reduzir a inadimplência. Estudo do Banco Central estima em 37,5% o peso da inadimplência na composição do spread, isto é, a diferença entre o custo de captação dos recursos pelos bancos e os juros que eles cobram dos tomadores de empréstimo. Em tese, a redução do risco de inadimplência deveria resultar na diminuição do spread e, portanto, na queda do juro. É um argumento interessante, mas ainda não comprovado na prática. Ele foi utilizado na discussão da nova Lei de Falências, há três anos. Dizia-se que o alto custo dos financiamentos se devia, em boa parte, à dificuldade dos bancos para executar dívidas de empresas em processo de falência ou de concordata. A dificuldade foi eliminada, mas os juros não caíram. Nada garante que cairão quando for criado o cadastro positivo. O texto aprovado pela Câmara será discutido e votado pelo Senado. Sem a garantia de que ganhará financeiramente, a pessoa que figurar no cadastro positivo - ela precisará autorizar a inclusão de informações a seu respeito no banco de dados - perderá sua privacidade, pois terá sua vida financeira devassada. No banco de dados estarão informações variadas, como prazos e valores das diferentes modalidades de financiamentos tomados pelo cadastrado, o que inclui cartões de créditos, compras pelo crediário, empréstimos pessoais e outros financiamentos bancários. A partir das informações registradas em seus sistemas, os bancos de dados poderão fazer análises de risco de seus cadastrados, oferecendo-as às empresas comerciais ou industriais e às instituições financeiras. Para os bancos, os cadastrados bem avaliados que não fazem parte de sua clientela serão alvos preferenciais para novos negócios. O cadastro, nesse caso, transforma-se em ferramenta de marketing. Os que não tiverem boa avaliação poderão ter fechadas todas as portas do sistema de crédito - bancos, financeiras e lojas - e ser estigmatizados como maus pagadores. Os bancos de dados não serão obrigados a revelar os motivos dessa avaliação. Durante a discussão do projeto no plenário, o relator, deputado Maurício Rands (PT-PE), teve de retirar ou alterar partes do substitutivo que elaborara, para evitar mais lesões aos interesses dos consumidores. Com as mudanças, a inclusão de qualquer anotação negativa terá de ser informada ao consumidor; não constarão dos bancos de dados informações negativas nos casos de atraso de pagamento de contas de água, luz e telefone; e dívidas não pagas de até R$ 60 ou prestações não pagas até esse valor não serão registradas. Mesmo assim, por violar a privacidade do consumidor, o projeto foi considerado "uma espécie de SNI (Serviço Nacional de Informações) do consumo" pelo deputado Flávio Dino (PC do B-MA). "Tem cláusula de sigilo garantido. Está dito claramente que as empresas (os bancos de dados) podem negar as informações." Sem essas informações, o consumidor não terá o direito de expor suas razões. "Ninguém pode se defender do que não sabe", disse o deputado. É clara a desvantagem do consumidor frente às empresas privadas que operarão os bancos de dados e ao sistema financeiro. Este já conta com bons departamentos de análise de cadastro e de risco de crédito e dispõe de outros serviços privados de informações de clientes inadimplentes, como a Serasa e os Serviços de Proteção ao Crédito. Dispor de mais um, ainda mais amplo e confiável, será mesmo um fato "histórico" para os bancos.