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Preços livres

Sempre que o Estado se dispôs a determinar preços de mercado, como é o caso dos combustíveis, desorganizou a economia

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Por Redação
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No site da Agência Nacional do Petróleo (ANP), lê-se que, “desde 2002, vigora no Brasil o regime de liberdade de preços em toda a cadeia de produção, distribuição e revenda de combustíveis e derivados de petróleo”. Isso significa, continua o texto, “que não há qualquer tipo de tabelamento nem fixação de valores máximos e mínimos, ou qualquer exigência de autorização oficial prévia para reajustes”. Mesmo assim, a própria ANP, no dia 27 passado, exigiu “esclarecimentos” das principais empresas distribuidoras “sobre os preços dos combustíveis”. Segundo a agência, “foi observada uma redução significativa de preços da gasolina pela Petrobrás sem que essa decisão tenha chegado ao consumidor final”.

Na mesma nota, a ANP faz contas para mostrar que, embora o preço pago pelas distribuidoras à Petrobrás pelo litro da gasolina tenha caído R$ 0,51 nos últimos dois meses, “só cerca de R$ 0,26 foram repassados pelas distribuidoras” e “o consumidor final, por sua vez, somente constatou uma redução da ordem de R$ 0,10 nos preços praticados na bomba”. A ANP deu prazo para as empresas se explicarem e disse agir somente em atendimento à sua “atribuição legal” de “zelar pela proteção do consumidor quanto a preços, qualidade e oferta de produtos”.

De fato, a Lei 9.478/97, que instituiu a ANP, confere à agência o dever de proteger os interesses do consumidor quanto aos preços, mas a mesma lei estabelece a vigência da livre concorrência no setor. Ou seja, depreende-se que a agência deve estar atenta a uma eventual formação de cartel - acordo entre concorrentes para padronizar os preços em detrimento do consumidor. Se não for esse o caso - e o comunicado da ANP não menciona tal hipótese -, então a agência está indo além de suas atribuições ao questionar preços que não estão nem podem estar sob controle.

É o caso de questionar se a ANP pretende ditar os preços dos combustíveis para o consumidor de acordo com sua planilha de cálculos. Ora, num mercado livre, esses preços são determinados por vários fatores, mas apenas um deles é controlado pelo governo: o peso dos impostos - que, no caso dos combustíveis, chega a mais de 40% do preço final. Então, se quisesse mesmo saber por que o preço dos combustíveis para o consumidor final não cai como acha que deveria, a ANP talvez devesse questionar em primeiro lugar não os postos de gasolina, mas o Fisco.

Sempre que o Estado se dispôs a determinar preços de mercado, como é o caso dos combustíveis, desorganizou a economia. É preciso relembrar o épico desastre protagonizado pelo Plano Cruzado (1986), cujo esteio era justamente o controle artificial de preços, medida que gerou grave desabastecimento. Deveria ter ficado claro que não se revogam leis básicas da economia, especialmente a que diz que o preço é reflexo da disponibilidade do produto. Uma vez controlado, o preço deixa de cumprir essa função, desorientando produtores e consumidores.

Lição tão básica foi ignorada no governo de Dilma Rousseff, que mandou a Petrobrás subsidiar o preço dos combustíveis na tentativa desesperada de controlar a inflação. A manobra não apenas falhou em relação à inflação, como foi responsável por parte significativa da depauperação da Petrobrás.

Na recente greve dos caminhoneiros, a ilusão de que é possível controlar o mercado se renovou, quando o governo mandou reduzir na marra os preços do diesel para agradar aos motoristas. Um ministro chegou a dizer que usaria “todo o poder de polícia” para esse fim, lembrando os funestos tempos dos “fiscais do Sarney” do Plano Cruzado.

Mas a ideia de que o mercado pode ser levado a dobrar-se às vontades da burocracia estatal infelizmente continua firme, como se depreende da exigência da ANP em relação aos postos de combustíveis. O único interesse do consumidor, que a ANP deve legalmente proteger, é que haja combustível de boa qualidade nas bombas quando o motorista for abastecer seu veículo, e isso só vai acontecer se os postos puderem cobrar de acordo com seus custos e com a demanda.