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Preparação para a crise

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Por Redação
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O Brasil passará pela nova turbulência internacional sem recessão, promete a presidente Dilma Rousseff. Mas, para isso, acrescenta, é preciso, desde já, cuidar com "responsabilidade e maturidade" das contas públicas. Será preciso, segundo ela, examinar com muita cautela cada projeto com potencial para aumento de gastos. A recomendação foi feita aos líderes da base governista, em reunião quarta-feira no Palácio do Planalto. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já havia ressaltado a importância da cooperação dos Três Poderes, deixando clara a sua discordância quanto à elevação de salários defendida pela cúpula do Judiciário. Falta conferir se parlamentares e juízes vão colaborar para uma gestão fiscal mais austera e mais eficiente. A experiência autoriza algum ceticismo, reforçado, neste momento, pela reação da base aliada à limpeza iniciada em alguns Ministérios. Mas o discurso do Executivo é sensato. Até para adotar ações compensatórias, com aceleração de alguns investimentos e corte de alguns impostos, será bom o governo dispor de alguma folga para realocação de verbas. Se houver cuidado na condução da despesa, o Banco Central (BC) poderá com maior segurança baixar os juros e tomar medidas para a expansão do crédito. No Brasil, a política monetária foi a primeira frente de reação à crise, nos meses finais de 2008. O BC forneceu dinheiro aos bancos e ao mesmo tempo garantiu a oferta de dólares necessários ao financiamento do comércio exterior. Medidas fiscais, algumas muito discutíveis, completaram a política antirrecessiva. O governo - espera-se - deve ter aprendido o suficiente para repetir só a melhor parte das ações adotadas em 2008 e 2009. É preocupante, por exemplo, ouvir o presidente da Caixa Econômica, Jorge Heredia, prometendo reeditar o desempenho daquele período. Os bancos estatais devem estar prontos, sim, para aumentar a concessão de empréstimos, se houver retração do crédito fornecido pelas entidades privadas. As instituições públicas, no entanto, privilegiaram as companhias estatais e alguns grandes grupos privados. Mesmo o dinheiro do Programa de Sustentação do Investimento, fornecido pelo Tesouro por meio do BNDES, foi aplicado dessa forma. Até junho deste ano, R$ 127,2 bilhões, 65,7% do dinheiro fornecido pelo Tesouro a partir de 2009, foram destinados a grandes clientes. Isso inclui um repasse de R$ 25 bilhões à Petrobrás em julho de 2009. Sem essa parcela, as grandes ficam com 60%. Além disso, bancos federais foram usados nos últimos dois anos para socorrer alguns grandes grupos metidos em dificuldades mais por problemas administrativos do que por efeito da crise internacional. A essas distorções ainda se acrescentou o envolvimento do BNDES com grupos industriais escolhidos a partir de critérios ainda mal explicados. Ficou clara somente a disposição de conceder apoio federal a algumas empresas selecionadas para serem "campeãs". Autoridades tentam desmentir essa orientação, mas os fatos são indisfarçáveis. Políticas anticíclicas são muito diferentes da mera distribuição de recursos para estatais e de benefícios para grupos eleitos como favoritos. A redução de impostos e a expansão do crédito ao consumidor foram os componentes mais eficazes da ação anticrise a partir de 2008. O governo poderia obter esse resultado, e provavelmente até melhor, sem a distribuição de favores e sem o rápido aumento dos gastos com pessoal e com outras despesas de baixa produtividade. Como parte da nova ação anticrise, o ministro da Fazenda propõe também uma cooperação maior entre os países da Unasul. É muito mais fácil produzir retórica sobre isso do que preparar ações efetivas. Nenhum país sul-americano deixará de comprar da China para importar do Brasil nem de impor barreiras a produtos brasileiros, se julgar conveniente. É preciso, sim, avançar na integração, mas sem fantasias. Enquanto isso, o governo fará um bom trabalho se enfrentar de fato os problemas de competitividade da economia. Um bom começo seria pensar em algo mais sério que o recém-lançado Plano Brasil Maior.