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Opinião|Previdência ‘come’ outros gastos importantes

Políticos dignos do nome não recuam diante de dificuldades como essa

Atualização:

Em dezembro último foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que impôs um teto a um amplo conjunto de gastos públicos federais, determinando que não mais poderiam crescer em termos reais, ou seja, descontado o efeito da inflação. Essa emenda foi saudada como indispensável em face do enorme desequilíbrio a que foram levadas as contas públicas federais, com destaque para o que aconteceu durante o desastrado governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Esperava-se que o teto de gastos fosse um estímulo a que o Congresso Nacional aprovasse uma adequada reforma da Previdência Social pública, pois diante desse teto o déficit previdenciário, em expansão, exigiria que outros gastos importantes diminuíssem.

Mas esse caminho não foi seguido. A fragilidade política do presidente Michel Temer dificultou o encaminhamento de sua proposta de reforma no Congresso. E este demonstrou, mais uma vez, que seu interesse primordial está na reeleição de seus membros. Ainda recentemente aprovou uma pífia reforma do sistema eleitoral, deixando de lado medidas mais profundas como a adoção do voto distrital, que aumentaria a representatividade de deputados e vereadores, além de facilitar o acompanhamento de seu desempenho pelos cidadãos dos distritos onde fossem eleitos. A maior preocupação foi buscar dinheiro para campanhas eleitorais mediante financiamento público, já que o das empresas privadas foi interrompido por sábia decisão do Supremo Tribunal Federal. Quanto à reforma previdenciária, os congressistas se acovardaram diante da eventualidade de serem criticados por antigos e potenciais eleitores nos pleitos do próximo ano. O interesse nacional novamente ficou de lado.

Como as despesas previdenciárias continuaram a crescer, e há o teto, é interessante saber que gastos caíram para acomodar essas despesas. Nessa linha, um artigo no jornal Valor de 13/9 (página A11) assinado por Fábio Giambiagi, conhecido especialista em finanças públicas, apresentou números sobre o assunto. Entre outros, ele examinou os da variação do valor real, a preços de julho de 2017, de várias despesas do Tesouro Nacional entre 2014 e o período de 12 meses que vai de agosto de 2016 a julho de 2017.

Nesse período de 12 meses, o item de maior valor das despesas analisadas (R$ 596 bilhões) foi dado pelo conjunto que inclui o INSS e os benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) a portadores de eficiência ou a idosos não deficientes com idade mínima de 65 anos, além de outros requisitos legais. Nesse caso, desde 2014 houve um aumento real de 12,4%. O segundo item de maior valor (R$ 282,5 bilhões), e também o outro único com variação positiva no período analisado, foi o de gastos com pessoal, com crescimento de 3,6%, concentrado a partir de agosto de 2016 em função de reajustes sancionados pelo presidente Temer em clara dissonância com a péssima situação das contas federais.

Todos os demais itens, numa análise que enfatizou gastos sociais e investimentos, assumiram no período mais recente os valores a seguir, acompanhados de sua redução desde 2014: saúde, R$ 100,9 bilhões (ou -2,6%), educação, R$ 31,9 bilhões (-28,5%), desenvolvimento social, R$ 33 bilhões (-13,6%), outros gastos sociais, R$ 56,5 bilhões (-2,2%); e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de investimentos como em obras públicas, R$ 32,2 bilhões (-54,5%). Há também outro item de gastos, chamado de “demais despesas”, no montante de R$ 155 bilhões, cujo valor em números redondos permaneceu estável. Como visto, o PAC teve a queda mais forte, merecendo que seja redefinido como Programa para Ajustar outras Contas.

A despesa com INSS e Loas passou de 42% do total em 2014 para 46% nos últimos 12 meses completados em julho. Essa ampliação de 4% na participação de tal despesa não é coisa miúda no seu valor, representando R$ 52 bilhões nesses 12 últimos meses. Giambiagi também mostrou dados de 2015 e 2016 e apontou que esse movimento de contenção de vários gastos em face do avanço dos previdenciários começou já em 2015, ano em que Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda.

Mais recentemente, no último dia 9, o mesmo jornal publicou reportagem em que detalhou a natureza de alguns cortes em programas sociais do governo federal. Entre eles, o Minha Casa, Minha Vida, que alcançou R$ 20,7 bilhões em 2015, recuou para R$ 7,9 bilhões em 2016 e apenas R$ 1,8 bilhão neste ano (até agosto); o Programa de Aquisição de Alimentos (da agricultura familiar) gastou R$ 41 milhões neste ano (até junho), uma redução de 91% relativamente ao total gasto no ano passado; e os dispêndios do Luz para Todos foram de R$ 44 milhões em 2017 (até junho), uma queda de 91% em comparação com os realizados em 2016.

Fica claro, portanto, que sem conter os gastos previdenciários em geral, e também impedir reajustes salariais incompatíveis com a situação fiscal do governo federal e com as várias distorções salariais existentes na sua folha de pagamentos, esse quadro caminhará para uma asfixia contínua dos demais gastos, pois é improvável um aumento de receitas capaz de acomodar uma recuperação deles com o seguido aumento dos previdenciários.

Nesse impasse, espero que o teto para despesas seja preservado. Se não for, o déficit e a dívida governamental seguirão a rota de uma crise fiscal agravada, que poderia abortar a recuperação econômica em andamento e até trazer retrocessos comparáveis aos de 2015 e 2016.

Mas como ampliar gastos como os de saúde, educação e investimentos, que estão sendo asfixiados pela expansão dos previdenciários? A saída adequada continua sendo uma efetiva reforma da Previdência Social pública. Seu custo político é alto, mas políticos dignos do nome são os que não recuam diante de dificuldades como essa.

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR