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Primeiro choque com os EUA

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Por Redação
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A primeira escaramuça entre o governo da presidente Dilma Rousseff e o do presidente Barack Obama ocorreu na arena comercial. Se houve uma fase de boa vontade, foi muito curta. Doze dias depois da posse, o novo governo brasileiro teve de enfrentar um duro ataque em Genebra. O embaixador americano na Organização Mundial do Comércio (OMC), Michael Punke, reclamou do aumento de impostos de importação e acusou o Brasil de "criar um ambiente mais difícil para as negociações de Doha", voltadas, segundo ele, para o objetivo de reduzir tarifas. Em sua resposta, o embaixador brasileiro, Roberto Azevedo, apontou os danos causados à economia brasileira pela desvalorização da moeda americana. "Com a desvalorização do dólar", afirmou, "os Estados Unidos são os grandes beneficiados na venda de bens industriais para o Brasil". Reclamar das tarifas brasileiras, acrescentou, "não pode ser sério." O diplomata brasileiro está certo em relação a um aspecto. Não há um só argumento razoável a favor das queixas e acusações de seu colega americano. Mas, de outro ponto de vista, convém levar a sério a manifestação do embaixador Punke. É mais uma informação sobre a atitude do governo Obama em relação ao comércio internacional. Os compromissos do presidente Obama com os setores protecionistas da economia americana são bem conhecidos. Não houve segredo, quanto a isso, durante a campanha eleitoral. Depois, quando se confirmou a condenação dos subsídios ao algodão, o presidente Obama preferiu descumprir a determinação da OMC e usar o peso econômico de seu país para negociar um acordo com o Brasil. Seu governo aceitou, além disso, a prorrogação do subsídio e da proteção tarifária ao etanol americano. Em visita a Brasília, os senadores John McCain e John Barrasso reconheceram ser "provavelmente ilegal" essa política. Desde sua instalação, o governo democrata vem exibindo pouca disposição de trabalhar por um comércio mais livre e equitativo e uma indisfarçável inclinação para desprezar as normas internacionais. Tem assumido a posição truculenta de quem prefere recorrer à força - ao peso econômico, nesse caso - para tratar das questões econômicas com os parceiros. Os Estados Unidos têm perdido causas na OMC por causa de suas políticas ilegais. O caso do algodão é apenas um exemplo. Em contraste, a proteção tarifária adotada pelo governo brasileiro dificilmente será condenada com base em regras internacionais. As tarifas estão dentro dos padrões consolidados na organização. Pode-se discutir se essas medidas são eficientes do ponto de vista econômico, mas isso é outro assunto e os principais interessados são os próprios brasileiros, tanto consumidores quanto empresários. É preciso levar a sério, também, a opinião do governo Obama sobre os objetivos principais da Rodada Doha. Essa negociação, a mais ampla da história, foi lançada no fim de 2001 com uma promessa principal: abrir espaço no comércio internacional para as economias em desenvolvimento. Por isso o empreendimento se tornou conhecido também como "Rodada do Desenvolvimento". Uma das formas de incluir aquelas economias no sistema de regras comerciais seria liberalizar os mercados de produtos agrícolas. A Rodada Uruguai, concluída em 1994, pouco havia alterado as condições do comércio agrícola. Subsídios e barreiras continuaram amplamente tolerados. Mesmo assim, o acordo incluiu umas poucas medidas liberalizantes - e estas, como no caso do algodão, foram violadas no mundo rico.Desde o início, o governo Obama deixou clara sua intenção de abandonar os objetivos iniciais da Rodada Doha e os acordos parciais alcançados até a interrupção das negociações, no fim do governo Bush. Os primeiros esforços para desqualificar os acordos parciais foram barrados em Genebra. Não interessa ao Brasil nem a muitos outros países voltar ao ponto zero. Mas o desafio mais urgente talvez nem seja retomar a negociação global, e, sim, trabalhar pelo reequilíbrio das condições de comércio. Para isso será preciso eliminar o desarranjo cambial promovido pela China e pelos Estados Unidos.