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Prisões degradantes

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Por Redação
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A inspeção realizada há dez dias pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em dez presídios da região metropolitana de Vitória confirma a tragédia em que se converteu o sistema carcerário em todo o País. A inspeção foi motivada por uma denúncia feita pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vinculado ao Ministério da Justiça, e irá fundamentar o pedido de intervenção federal no Espírito Santo que o Ministério Público Federal pretende encaminhar ao Supremo Tribunal Federal. Nos últimos meses, a equipe do CNJ já fiscalizou presídios em Rondônia, Tocantins, Pará, Amazonas, Maranhão, Piauí, Alagoas e Rio de Janeiro. E, em todos, encontrou um quadro não muito diferente do das prisões capixabas. No Departamento de Polícia Judiciária de Vila Velha, por exemplo, os inspetores encontraram 256 presos amontoados numa cela com capacidade para 36 pessoas. Ela dispõe de um único banheiro e os presos têm de ficar deitados em redes superpostas, uma vez que não há espaço para ficarem em pé. Na Casa de Custódia de Viana, na Grande Vitória, os juízes do CNJ encontraram 1.254 presos vivendo em pavilhões insalubres, sem divisões internas e sem triagem por tipo de delito. Na unidade, onde existe grande quantidade de insetos, resíduos orgânicos e lixo acumulado, drogas, armas e celulares circulam livremente. Vigora ali a lei do mais forte, pois os agentes carcerários não têm coragem de entrar nos pavilhões nem para levar comida. A situação é tal que os inspetores do CNJ não puderam entrar nos pavilhões, pois a própria PM capixaba reconheceu que não teria como assegurar-lhes a integridade física. Os juízes do CNJ também descobriram que, numa unidade para jovens infratores, na cidade de Cariacica, a terceira maior do Espírito Santo, 121 adolescentes com dependência química foram sedados e transferidos às pressas na véspera da inspeção para evitar o flagrante da superlotação. Na unidade para onde foram levados, os juízes apreenderam sprays de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo e armas brancas. E, na unidade de origem desses jovens, os inspetores encontraram alguns menores trancafiados em contêineres sem ventilação e sem esgoto. "Duas dessas caixas estavam expostas ao sol. Não havia banheiro. Os menores eram obrigados a defecar e urinar dentro do contêiner. O cheiro é repulsivo", diz o relatório do CNJ, cuja equipe teve de usar botas de borracha, luvas, máscaras e outros equipamentos para poder executar o seu trabalho. A superlotação do sistema carcerário é um problema antigo e que vem se agravando assustadoramente nos últimos anos. O último censo penitenciário constatou que, entre 2003 e 2007, o número de presos em regime fechado cresceu 13,05%. Atualmente, há cerca de 500 mil mandados de prisão não cumpridos. Em 2007, o sistema prisional brasileiro tinha 290.359 vagas, mas a população carcerária do País era superior a 446 mil pessoas - portanto, um déficit de 156 mil vagas. Em 2008, esse déficit era de 180 mil vagas. Diante dos problemas causados pelo colapso do sistema prisional, alguns magistrados já estão se recusando a mandar para a prisão até quem foi preso em flagrante. A situação é tão preocupante que os juízes criminais de Porto Alegre, onde há 28 mil condenados e apenas 16.500 vagas, acabam de adotar um sistema de rodízio de presos. A partir desta semana, 400 detentos do regime semiaberto na região metropolitana irão dormir na cadeia, um dia, e em casa, no outro. A solução para o problema do déficit de vagas do sistema prisional não depende apenas da construção de novas penitenciárias. A crise penitenciária poderia ser atenuada caso o Judiciário tivesse como norma condenar os autores de crimes menos graves, cometidos sem uso de violência, a penas alternativas. Pelas estimativas do Ministério da Justiça e de entidades como a FGV, 134 mil presos poderiam estar cumprindo pena em liberdade. As inspeções do CNJ contribuem para que os Poderes Executivo e Judiciário avaliem melhor a gravidade da questão carcerária e tornem mais eficiente as suas atuações para enfrentá-la, cabendo ao primeiro construir presídios em número necessário para que se proporcionem condições de vida dignas para os presos e, ao segundo, aplicar mais penas alternativas.