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Opinião|Privatizar a Petrobrás? Por que não?

Resistência é simbólica, o espírito da era Vargas é que mantém o culto a ‘o petróleo é nosso’

Atualização:

Depois de muitos anos escondida do debate eleitoral, a privatização volta à agenda de alguns candidatos. Isso significa que a resistência da sociedade ao tema diminuiu. Pode ser consequência dos escândalos, revelados pela Operação Lava Jato, de uso das estatais para enriquecimento ilícito ou do agravamento da crise fiscal. Ou mesmo da onda liberal que ressurgiu no País como reação ao fracasso da política estatizante dos governos Lula e Dilma.

A sociedade cobra, e com razão, o aumento do investimento público em áreas essenciais e melhoria na prestação dos serviços. Para isso o Orçamento público precisará reequilibrar-se e uma trajetória de superávits primários sustentáveis, ser retomada. A venda de ativos é parte essencial desse ajuste. Não só por causa dos recursos que entram, mas também pelos bilhões em custeio que deixam de sair do caixa do Tesouro Nacional.

Este governo avançou na desestatização da Eletrobrás. Começou pelo anúncio da venda de suas distribuidoras. As dezenas de bilhões que essas concessionárias absorveram não impediram que prestassem o pior serviço do País, sem nenhuma intervenção do órgão regulador. É como se o controle estatal desse salvo-conduto para a ineficiência e a inadimplência. A situação financeira da estatal de eletricidade é grave e sua privatização se tornou inevitável.

A Petrobrás também sofreu as consequências do populismo e da corrupção. A combinação de preços irrealistas para seu principal produto e de investimentos desastrosos produziu um endividamento quase explosivo. A administração atual melhorou o perfil da sua dívida. Mas uma boa gestão é razão para não se falar em privatização? Penso que não. Mesmo porque governos mudam, a governança muda junto, e podemos ter de volta o mesmo tipo de interferência política que destruiu as estatais brasileiras. No fundo, as razões para vender o controle da Petrobrás são as mesmas que levaram à decisão sobre a Eletrobrás.

Além dos fatores levantados acima, circulam entre especialistas outros argumentos a favor da saída do Estado da Petrobrás. Destaco alguns:

1) Não é função do Estado atuar em atividade econômica, sendo o principal produto da Petrobrás uma commodity. O relevante é que a União, os Estados e municípios saibam usar bem a parte que lhes cabe na renda da exploração do petróleo – que com o pré-sal será enorme –, sem a necessidade de serem investidores. 

2) O aquecimento global vem impondo restrições ao uso de combustíveis fósseis, o que reduz o valor da empresa para a sociedade ao longo do tempo. E não vale a pena gastar recursos públicos para reorientar suas atividades para energias renováveis. Do ponto de vista geracional, sua venda deveria ser feita o mais breve possível.

3) E os valores arrecadados com sua venda, e a de tantas outras estatais, estariam muito mais bem aplicados em funções essenciais do Estado.  Obviamente, os argumentos contrários são o contraponto a esses: 

1) A Petrobrás cumpre papel estratégico, porque não se pode garantir que o setor privado tenha interesse na exploração do petróleo, pondo em risco o nosso abastecimento. 

2) A Petrobrás é um símbolo nacional e há vários países no mundo com controle estatal de empresas petrolíferas.

3) E há também os que não são contra, em tese, mas acham que agora não é o momento para falar em privatização, já que a empresa está em processo de reestruturação e a reação política à sua venda pode interromper um ciclo benigno.

Sou a favor da privatização da Petrobrás. Não se deve confundir interesse estratégico com propriedade. É verdade que há países com estatais de petróleo, mas seria importante apontar a qualidade da governança e a estabilidade institucional desses governos em comparação com uma sociedade patrimonialista e com histórico de administrações com pouco apreço pelo dinheiro do contribuinte, como aqui. Mas também é verdade que num dos mais importantes players mundiais nessa área, os Estados Unidos, a atividade é privada. Isso não impede uma atuação estratégica do governo norte-americano na defesa de suas reservas e do abastecimento doméstico. É bom lembrar também que a maior descoberta de combustível alternativo nos Estados Unidos, a do gás de xisto, foi feita por capital privado.

Estratégico é garantir a oferta, o que já foi atingido. Assim, o papel do Estado para garantir a autossuficiência, argumento principal dos que defendem o controle estatal, já passou. O mito de que empresas estrangeiras não teriam interesse em produzir petróleo em solo brasileiro também caiu por terra com a entrada de grandes multinacionais nos recentes leilões do pré-sal.

A gravidade e a profundidade da crise fiscal revela os limites da atuação do Estado e as escolhas que o governo deve fazer para o melhor atendimento das necessidades da sociedade. A conta a fazer é: com a venda da Petrobrás, e de tantas outras estatais, quanto o Estado pode oferecer em serviços essenciais, como saúde, educação, saneamento e segurança? Isso é mais importante para os brasileiros do que o simbólico controle de uma estatal de petróleo. 

É evidente que os ganhos obtidos devem trazer impacto no longo prazo, e não ser utilizados para cobrir gastos correntes. E a modelagem de venda deve proporcionar retorno à sociedade, o que significa maximizar os recursos que serão pagos à União e, portanto, ao contribuinte, ao mesmo tempo garantindo competição no setor e a continuidade da produção de forma eficiente. 

A agenda da privatização deve ser ampliada e ousada. Para isso basta seguir a Constituição brasileira – nela não há previsão de um Estado empresarial. Na realidade, a resistência à privatização da Petrobrás é simbólica, subjetiva. É o espírito da era getulista que mantém o culto a “o petróleo é nosso”. Não há nenhuma diferença entre as razões para a retirada do Estado do controle da Petrobrás e de qualquer outra empresa estatal.

*ECONOMISTA, ADVOGADA, É  MEMBRO DO CONSELHO DO LIVRES