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Pronta, mas sem uso

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Por Redação
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Criticado internamente por causa dos atrasos das obras sob sua responsabilidade, o governo brasileiro poderá ser visto pelo governo francês como responsável por obras prontas, mas inúteis. A população do município de Oiapoque, no Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, convive há dois anos e meio com uma obra que talvez a encante por sua grandiosidade, mas que a frustra porque até agora não serviu para nada. Concluída em junho de 2011, com investimentos brasileiros e franceses, a ponte binacional sobre o Rio Oiapoque, ligando Oiapoque à cidade de St.-Georges-de-l'Oyapock, até agora não foi aberta, porque não foram construídas as instalações da aduana brasileira, indispensáveis para o controle do fluxo de pessoas e mercadorias. No estágio atual, trata-se, paradoxalmente, de uma ponte que funciona como um muro na fronteira.Políticos e lideranças locais esperavam um grande ato de inauguração da ponte binacional com a presença da presidente Dilma Rousseff e também do presidente francês, François Hollande, que tem viagem marcada para o Brasil este mês. O atraso das obras complementares tornou inviável o ato.Do ponto de vista político, o governo Dilma até poderá ter algum ganho com o atraso. Não precisará se imiscuir nas disputas políticas estaduais. A "paternidade" da ponte vem sendo disputada ferozmente por dois políticos locais - ou quase locais, visto que um deles construiu toda sua carreira eleitoral em outro Estado -, o governador Camilo Capiberibe (PSB), filho do senador João Capiberibe e da deputada federal Janete Capiberibe, e o senador de origem maranhense José Sarney (PMDB-AP). Sarney chegou a anunciar a inauguração, o que irritou seus adversários no Estado que representa no Senado.Um ato com a presença dos dois presidentes na região de fronteira, além disso, serviria para alimentar a tensão já intensa a respeito da presença de garimpeiros brasileiros na Guiana. Estima-se que 40 mil brasileiros vivam ilegalmente na Guiana Francesa, cuja população total é de 260 mil pessoas. A expulsão em massa de brasileiros determinada pelas autoridades francesas elevou a tensão na fronteira.O governo do Amapá quer o fim da exigência de visto para a entrada de brasileiros na Guiana, o que beneficiaria os garimpeiros, que compõem parcela importante do eleitorado do Estado. Já os franceses só aceitam discutir a questão se o Brasil ratificar, como gesto de aproximação, o acordo contra o garimpo ilegal na fronteira.Mesmo que, com o adiamento da inauguração, o governo consiga evitar o aumento da tensão na fronteira e o acirramento da disputa política local, o que a construção da ponte binacional deixa clara é a dificuldade das autoridades brasileiras de articular suas ações, de modo que os benefícios cheguem mais depressa. A construção da aduana, por exemplo, só começou há quatro meses, mais de dois anos depois de concluída a ponte.Às pressas, o governo está erguendo um "puxadinho" de emergência, ao custo de R$ 850 mil, para ser usado como aduana provisória. São módulos pré-fabricados de madeira e alumínio, cobertos por lona branca em forma de pirâmide, como mostrou reportagem do Estado. A falta de empresas interessadas em executar a obra provocou seu atraso, justificou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O diretor do órgão, general Jorge Fraxe, diz que a aduana provisória será concluída este mês e a definitiva, em maio, "bem antes do prazo previsto".Ainda assim, a ponte binacional continuará semiutilizada, pois, segundo o Itamaraty, ela só será oficialmente aberta depois de concluídos os acordos entre o Brasil e a França. Continuarão faltando, também, 2 quilômetros de estrada, para ligá-la à BR-156.Esta é a principal rodovia estadual, que há 40 anos aguarda o asfalto. Ela está pavimentada de Macapá, a capital estadual, até Porto Grande. Ainda faltam 110 quilômetros de asfalto até Oiapoque. Do trecho ainda não pavimentado, o último, de 56 quilômetros, só deverá ser concluído em 2015, se não houver atrasos.