09 de setembro de 2011 | 00h00
Já se sabia, nesse 2011, que o Brasil detinha entre 15% e 20% da biodiversidade mundial e que essa é a maior riqueza real, concreta, do planeta (medicamentos, alimentos, materiais). Já se lutava, em várias frentes, por uma política de conservação efetiva para o bioma. Passados dez anos, o cálculo que se faz é de que 18% da floresta já tenha desaparecido e que se chegar a 20% pode haver "uma inflexão", como tem advertido o conceituado biólogo Thomas Lovejoy (Folha de S.Paulo, 14/8): poderá haver mudanças fortes no regime de chuvas, afetando também Mato Grosso, o sul do País, até a Argentina. Experiente, Lovejoy diz que não nos devemos preocupar com ameaças do exterior, porque o mais grave já está aqui: "A pior forma de biopirataria é a destruição da floresta".
Muitas vozes se somam à dele. O professor Paulo Moutinho, da Universidade Federal do Pará, lembra que "as florestas tropicais são o ar-condicionado do planeta" (Eco 21, julho 2011). O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos alerta que "a miséria está transformando a Amazônia numa das principais rotas do tráfico internacional de armas e drogas" (Estado, 1.º/9). O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se diz "muito preocupado" com o desmatamento, que "diz respeito a todos os países, é uma questão global", até porque responde por 20% das emissões de gases que intensificam mudanças climáticas. E espera que esse seja um dos temas centrais da Rio+20 (Estado, 18/6). Só que o desmatamento voltou a crescer: 1.435 quilômetros quadrados de agosto de 2010 a maio de 2011 (mais 24%) e 6.081 km2 de florestas degradadas no mesmo período (mais 363%) - principalmente ao longo das principais rodovias, 65% em áreas privadas, 24% em assentamentos. Uma progressão que leva o prudente Financial Times (31/8) a dizer que "a Amazônia é um teste político para a presidente Dilma".
Resta saber em que termos. A própria presidente autorizou a redução da área de parques e reservas para permitir discutíveis obras de hidrelétricas na região - que nem sequer terão como principal mercado os Estados do bioma: só 3,2% da energia de Belo Monte será consumida pelos paraenses e 4,1% pela Amazônia; 70% ficará para concessionárias de São Paulo e Minas, 14% para a Bahia (Diário do Pará, 31/8). Isto é, irá para linhões de transmissão, uma rede que já perde 17% e, segundo o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, precisaria ser praticamente toda trocada; foi implantada para resistir a ventos de até 80 quilômetros por hora e hoje enfrenta o dobro (Geodireito, 2/9).
E não é só. As pastagens respondem pela ocupação de 62% das áreas de desmatamento medidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Estado, 3/9). Mas o novo relatório sobre o Código Florestal, em discussão no Congresso Nacional, continua a abrir o facilitário para desmatadores, inclusive de reservas legais obrigatórias e áreas de proteção permanente - além de transferir para governos estaduais poder para legislar na área, facilitando as pressões locais de agropecuaristas e políticos.
E tudo isso vai agravar a situação da Amazônia. Exatamente na hora em que novo estudo sobre a biodiversidade mundial aponta que ela tem mais que o dobro das espécies até agora apontadas (8,7 milhões, pelo menos, quando se contabilizavam 3,1 milhões). Se a Amazônia tem um terço da biodiversidade brasileira e esta corresponde a pelo menos 15% da biodiversidade planetária, a Amazônia terá quase 500 mil espécies. Quanto vale isso, lembrando, segundo Lovejoy, que só o comércio mundial de medicamentos derivados de plantas movimenta pelo menos US$ 250 bilhões anuais - e o Brasil nem sequer participa dele, porque não destina verbas suficientes para pesquisas, como recomenda a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência?
Não bastasse, num momento em que o mundo agoniza com a chamada crise da água, cientistas descobrem a quatro quilômetros de profundidade, sob o Rio Amazonas, outro rio, que corre de oeste para leste em 6 mil quilômetros e desemboca perto da foz do grande rio (Estado, 25/8). Seu fluxo, de 3 mil metros cúbicos por segundo, é maior que o do Rio São Francisco. Em pouco mais de 20 minutos poderia abastecer com 350 litros (consumo diário) cada um dos 11,4 milhões de paulistanos. E isso num país que já tem quase 13% de toda a água superficial do planeta, fora a dos aquíferos subterrâneos.
Biodiversidade, água, energia. Quando passaremos a dar prioridade em nosso pensamento político e na estratégia a fatores como esses, principalmente quando as sucessivas crises financeiras mundiais indicam que o mundo terá de valorizar recursos concretos, em lugar de papéis?
JORNALISTA
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