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Opinião|Que fazer?

Atualização:

O que há de surrealista nesta crise é a ordem dos fatores. Não são os fatos que configuram a crise e pautam o discurso do governo, é o discurso do governo que pauta a crise e torna os fatos cada vez mais adversos. De par com a roubalheira tanto mais negada quanto mais exposta, esta crise não é muito mais que a insana persistência na negação da crise, agravada pela última tentativa de dona Dilma de nos provar que os loucos somos nós, que o que sentimos no bolso não passa de uma invenção "da mídia" e que quem vai mal não é o Brasil onde o petróleo custa o dobro, é o mundo onde o petróleo custa a metade. Assim como a Petrobrás é "vítima" do assalto a que se vem submetendo languidamente há 12 anos, o PT é "vítima" da incúria chinesa, americana e alemã para tocar uma economia com eficiência e responsabilidade. É totalmente relevante assinalar que a par de abrir-nos os olhos para os perigosos enganos a que nos empurram nossos cinco sentidos, dona Dilma decretou que matar mulheres - e só mulheres - passa a ser "crime hediondo", apenas porque sua augusta excelência acordou com essa boa ideia na cabeça! O constante atropelamento da lei, da aritmética e das instituições pelos "atos de vontade" do governante de plantão num mundo onde o dinheiro é um só e não admite esse tipo de desaforo é o que nos está matando. Seria o momento de a oposição provar que é diferente. Mas não será saudando o dono da Transpetro como "estadista da República" por reagir ao cerco da polícia atirando no dr. Levy que vai conseguir isso. Faria melhor se denunciasse a "camarotização" pacificamente assimilada dessa Brasília que segue com suas obscenas enxúndias e adiposidades incólumes enquanto exige do Brasil da 2.ª classe que entregue os músculos e até os ossos. Mas nem pelo exercício didático alguém fez a conta para mostrar quanto do superávit pretendido pelo dr. Levy poderia ser conseguido limpando o País de pelo menos 29 dos 39 "ministérios" que nem a presidente é capaz de enumerar de cor, com seus respectivos "ecossistemas" de parasitas. As provas de que a dos que pagam e a dos que são pagos com impostos são as duas únicas "classes sociais" em conflito insanável no País dos "exércitos do Stédile" poderiam ganhar a exposição que precisam ter, mas ninguém põe o dedo nessa ferida, primeiro, porque em lado nenhum existem "contribuintes" em Brasília e, segundo - e esta é a verdade que dói -, porque quase todos aqui fora têm algum pai, mãe, irmão ou filho na categoria dos "contribuídos". Truque velho como a peste bubônica esse de gastar um pouco de quirera pra catar frango pro almoço, mas a gente não aprende. E, no entanto, se tem uma coisa que todo mundo sabe com certeza é que adianta tanto para a salvação da economia nacional o dr. Levy amputar músculos para preservar gordura mórbida ou fazer o ajuste burro via inflação para entregar um País que caiba nas calças por mais 15 minutos quanto o Judiciário prender mais meia dúzia de zés dirceus por meia hora e de marcos valérios por meia vida para evitar os próximos "petrolões". O mesmo raciocínio vale para o impeachment, ainda que não fosse no quadro de economia e instituições em frangalhos que tornam essa empreitada temerária hoje. Ele faria tanto pelo exorcismo da corrupção no Brasil quanto fez o do ex-presidente banido que está hoje atolado no "petrolão". Sim, democracia não é o poder de eleger, é muito mais o de deseleger. É em torno de quem tem o poder de demitir que se estruturam as cadeias de lealdades, como mostram tanto o dia a dia que todos vivemos no trabalho quanto o receituário internacional da moderna medicina institucional. Mas somente se esse poder for institucionalizado, orgânico e previsível. Se o desastre petista ainda não atingiu a todos, é certo que, com ou sem Dilma, ninguém escapará. Impedir o PT de presidi-lo inteiro, portanto, só pioraria as coisas. Este país tão cheio de filtros distorcivos da realidade precisa de literalidade e privar o PT de colher todos os direitos autorais a que faz jus seria contribuir para que não "pegue" a vacina que nos pode pôr para sempre a salvo da volta ao "califado bolivarizado" modelo século 18 com que sonha o lulopetismo emessetista. O importante é garantir que disso resulte que, para tudo quanto é decisivo, daqui por diante, a última palavra, na brasileira, seja sempre do eleitor, como já é em toda democracia que pode ser grafada sem aspas. Para tanto dois instrumentos são imprescindíveis: o "voto distrital com recall", em uso pelo mundo afora desde 1846, e o "voto de retenção de juízes de direito", em uso na norte-americana e em outras democracias de ponta desde 1934. Com o primeiro, divide-se o eleitorado em distritos delimitados e só se permite que cada candidato se ofereça a um, o que amarra cada representante a um grupo identificável de representados. Dentro de cada distrito, todo eleitor tem o direito de iniciar uma petição para derrubar seu representante a qualquer momento e por qualquer motivo. Se conseguir um número suficiente de assinaturas, convoca-se uma votação só naquele distrito e se derruba o faltoso sem ter de perturbar a paz social ou o resto do país. Com o segundo faz-se coisa parecida no universo do Judiciário. Os juízes seguem sendo "intocáveis", salvo por suas excelências os eleitores. A cada eleição aparecerá nas cédulas de cada distrito eleitoral também o nome dos juízes daquela jurisdição com a pergunta: "Deve o meritíssimo ter a sua incolumidade confirmada por mais 4 anos"? "Sim" ou "Não". Lembrar a toda hora aos participantes do jogo político quem manda em quem num governo "do povo, para o povo e pelo povo" e demitir sumariamente quem o esquecer inverte o sentido das lealdades e faz o mundo dos políticos e do funcionalismo passar a funcionar exatamente como o aqui de fora, pela mesma boa razão: ou trabalha-se a favor "da empresa", ou rua. Para consegui-lo, basta afirmar o que queremos com a mesma firmeza com que já começamos a afirmar o que não queremos. (Mais sobre recall e retenção de juízes em www.vespeiro.com.)*Fernão Lara Mesquita é jornalista e escreve em http://www.vespeiro.com 

Opinião por Fernão Lara Mesquita