09 de abril de 2011 | 00h00
Desde logo algumas explicações óbvias afloram, na tentativa de diagnosticar as causas do fenômeno. Parece haver consenso sobre pelo menos duas questões: uma seriam as deficiências no aparato de segurança, que podem ser debitadas tanto ao poder público, no âmbito geral, quanto à direção das unidades escolares, no que se refere ao controle do acesso de estranhos às suas instalações. A outra, certamente mais complexa e polêmica, seria a ausência ou insuficiência de controle sobre o comércio de armamento. "Precisamos desarmar a população", costumam bradar os governantes nessas ocasiões, como se apressou a fazer o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que prometeu, é claro, providências enérgicas para tornar permanente a Campanha de Desarmamento e incentivar maior controle sobre a venda e o porte de armas.
Por outro lado, perquirem-se as causas psicológicas, psiquiátricas e psicossociais por detrás da violência urbana. O ataque em Realengo, segundo a opinião do sociólogo Michel Misse, da UFRJ, citado pelo diário carioca O Globo, "foge ao padrão da violência urbana" e "não é explicável pelos parâmetros geralmente usados para analisar eventos cotidianos de violência", pois "tem mais a ver com um quadro grave de perturbação mental", uma vez que "o assassino, provavelmente, já não distinguia a realidade da fantasia".
Todas essas considerações são pertinentes, devem ter de alguma forma contribuído para o desfecho trágico do ataque em Realengo e apontam problemas que de alguma maneira podem e devem ser enfrentados pelo poder público e pelos cidadãos para evitar sua repetição. Mas, sejam quais forem as causas imediatas dessa hecatombe humana, não pode haver dúvidas de que ela tem suas raízes mais profundas no fenômeno moderno da falência dos valores humanos em seu embate permanente com o pragmatismo da sociedade de consumo que o processo de globalização só tem feito acentuar. Nesse sentido, é tão ilustrativo quanto chocante o relato de Lucia Guimarães, correspondente do Estado em Nova York, publicado ontem neste jornal: ""Ninguém teve a ideia de fazer um bom videogame com um massacre escolar." A queixa é do mentecapto que atende pelo apelido Pawnstick e cuidou de preencher esta lacuna nos anais da glorificação escatológica." O absurdo videogame, "School Shooter" (Atirador Escolar) convida o jogador a reviver a experiência dos serial killers, ou seja, matar o maior número possível de estudantes. E é defendido sem nenhum constrangimento por seu criador, conforme registra o artigo: "É só um jogo e o objetivo é ser divertido".
Na direção oposta do cinismo do mentecapto criador de videogames, vai o depoimento da professora Telma Vinha, da Unicamp, publicado na mesma edição do Estado: "(...) a escola não é uma prisão. Ela deve ser um espaço para falar de conflitos, não para contê-los". E as escolas só serão realmente assim "quando forem mais generosas, acolhedoras e não pensarem na ética como um remédio punitivo, mas como vacina". Vale para a escola. Vale para uma sociedade doente, desumanizada. Vale para todos e cada um de nós.
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