Imagem ex-librisOpinião do Estadão

'Questão interna'

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, resume a natureza ditatorial do governo de Nicolás Maduro. A partir da vaga acusação de que o prefeito tramava um golpe, baseada em uma delação que pode ter resultado de tortura, homens do Sebin, o Serviço Bolivariano de Inteligência, arrancaram Ledezma de seu escritório, sem mandado, e o levaram a uma prisão sem que pudesse falar com seu advogado ou sua família. Imediatamente, países comprometidos com a defesa dos direitos humanos e da democracia repudiaram a truculência chavista. Mas o governo da presidente Dilma Rousseff preferiu mais uma vez omitir-se, alegando que a prisão arbitrária de um prefeito eleito democraticamente é uma "questão interna" da Venezuela.Nem sempre foi assim. Quando o Congresso paraguaio destituiu o presidente Fernando Lugo, em 2012, seguindo o que previa a Constituição do país, Dilma e a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, uniram-se para suspender o Paraguai do Mercosul, alegando quebra das cláusulas democráticas do bloco. Em nota na ocasião, o governo brasileiro condenou "o rito sumário de destituição" e considerou "que o procedimento adotado compromete pilar fundamental da democracia".Na visão da presidente Dilma, portanto, prender um político opositor sem nenhuma prova, acusando-o de "golpismo", é apenas uma "questão interna", ao passo que a destituição de um presidente de acordo com as leis locais "compromete a democracia".Essa ambiguidade tem sido a marca de um governo que jamais levantou a voz para questionar as violações de direitos humanos em Cuba e na Venezuela, governados por amigos do petismo. A estes está reservada toda a compreensão que o terceiro-mundismo militante demanda. Não é por outra razão que, ao suspender o Paraguai, o Brasil abriu as portas do Mercosul justamente para a Venezuela, que então já ostentava os predicados de uma ditadura. E, não bastasse isso, ainda presenteou o regime chavista com a presidência do bloco.Hoje, o Brasil preside o Mercosul e esperava-se que, por essa razão, o País se sentisse na obrigação de cobrar da Venezuela o cumprimento das cláusulas democráticas do bloco. Ao contrário, Dilma preferiu a omissão - que serve apenas para deixar Maduro à vontade para continuar a reprimir a oposição. O Itamaraty informou que o governo está comprometido a estimular o "diálogo" na Venezuela, mas apenas se for "solicitado".Que diálogo pode haver entre o carcereiro e o prisioneiro já se sabe. No momento em que o regime chavista deveria ser pressionado a respeitar os mínimos padrões de democracia e do Estado de Direito, o governo brasileiro invoca novamente um processo de negociação política que fracassou desde que foi lançado, há cerca de um ano, quando marchas opositoras foram duramente reprimidas pelas forças governistas, deixando mais de 40 mortos. E fracassou porque Maduro já deixou claro que não tem nenhum interesse em dialogar, simplesmente porque não é da natureza do chavismo.Mas o governo petista finge que é legítimo um regime que encarcera opositores, cala a imprensa, manieta o Judiciário e controla com mão de ferro o Legislativo. Em 2005, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que a Venezuela tinha democracia "em excesso". Por esse raciocínio, a responsabilidade pelos problemas do país e pela evidente ruptura democrática deve ser atribuída necessariamente à oposição "golpista".É assim que pensa o PT - partido de Dilma Rousseff -, como deixou claro na nota em que comentou os acontecimentos na Venezuela. O texto acusa a oposição de querer "desestabilizar a ordem democrática" no país e de usar "ações criminosas de grupos violentos como instrumentos de luta política", assim como "ações midiáticas que ameaçam a democracia". E diz que o PT faz parte de uma "rede de solidariedade mundial para informar e mobilizar os povos do mundo em defesa da institucionalidade democrática na Venezuela". Sobre os presos políticos, nem uma linha.