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Razões de otimismo com o G-20

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Por Redação
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Pode-se julgar por dois critérios básicos a reunião do G-20 em Londres, convocada para enfrentar a maior crise econômica mundial em oito décadas. Se o critério é o que dela se esperava, o resultado foi positivo - embora não um triunfo, dadas as expectativas modestas que cercavam o encontro. Já se o critério for o da eficiência das medidas aprovadas - se são suficientes ou não para pelo menos estancar a retração global em prazo previsível -, será forçoso concluir que o G-20 ficou aquém do desafio. Tudo considerado, porém, talvez o critério de avaliação mais adequado não seja nenhum desses e sim o que permite avaliar o significado político do advento do G-20. E, nesse sentido, há fundados motivos para otimismo. Eis um grupo cuja diversidade seria inimaginável há bem pouco tempo e que a força das coisas deve transformar no foro por excelência para o encaminhamento das grandes questões econômicas da atualidade. A se firmar como instituição multilateral, o G-20 poderá encarnar a primeira mudança substantiva na obsoleta arquitetura política concebida em meio aos horrores da 2ª Guerra e cuja reforma tem sido cobrada por numerosos países, entre eles, notadamente, o Brasil. Se isso ocorrer, os historiadores do futuro poderão escrever que na primeira semana de abril de 2009 surgiu na capital do Reino Unido o equivalente, para a economia em sentido lato, do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas para a política internacional. Com a vantagem de traduzir melhor as realidades contemporâneas e a peculiaridade (provavelmente para o bem) de antes incentivar do que obrigar a comunidade de Estados-nações a fazer ou deixar de fazer o que seja. Nessa instância, diferentemente do CS, nenhum membro é formalmente "mais igual" do que os outros, detentor de poder de veto. As decisões, como se acabou de ver, têm de ser negociadas para se chegar a consensos - o que nunca é plenamente satisfatório para ninguém, mas sempre o mínimo aceitável para todos. Essa configuração tornou possível conter as divergências entre os Estados Unidos, de um lado, e a França e a Alemanha, de outro (o primeiro querendo que o seguissem na adoção de multibilionários pacotes de estímulos fiscais para o resgate da economia; os outros querendo que aderissem às ideias de regulamentação supranacional dos sistemas financeiros e de saneamento dos bancos sufocados por papéis podres). O G-20, ao final, exibiu unidade - embora precária. Pode parecer pouco, mas imaginem-se as consequências para o desenrolar da crise caso a reunião terminasse com fraturas expostas. Em 1933, um encontro similar resultou em acrimônia e inação. Desnecessário lembrar o que se lhe seguiu. "Hoje, aprendemos as lições da história", comentou o presidente americano, Barack Obama. Com pouco mais de dois meses na Casa Branca, passou com distinção e louvor pelo batismo de fogo da cúpula, como que lançando ao Tâmisa o supremacismo que isolou os EUA na era Bush. "Se apenas Roosevelt e Churchill estão numa sala tomando um conhaque, essa é uma negociação mais fácil", comparou Obama, aludindo aos líderes aliados na luta contra o Eixo, nos anos 1940. "Mas esse não é o mundo em que vivemos e não deve ser o mundo em que vivemos." Neste, as negociações envolvem Estados e governantes outrora inconcebíveis como interlocutores legítimos - e ninguém melhor os representou no G-20 do que o brasileiro Lula da Silva. Dando o melhor de sua conhecida capacidade de perceber o chão onde pisa e mover-se de acordo, o seu desempenho combinou sensibilidade, simpatia e lucidez. Nada que fizesse lembrar o dedo apontado para a "gente branca de olhos azuis" - ou o tom apocalíptico do discurso aos países árabes. A começar pela sua resposta ao elogio à queima-roupa de Obama, um modelo de modéstia autêntica. Aliás, numa entrevista no trem que o levava de Paris a Londres, na quarta-feira, Lula já defendera a estratégia de olhar para a frente e compartilhar responsabilidades de forma muito mais expressiva do que, por exemplo, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, quando reitera que "problemas globais requerem soluções globais". "Se encontrei um cidadão moribundo, baleado, não vou ficar perguntando quem deu o tiro e onde está a bala, mas levar a vítima ao hospital para salvá-la", imaginou Lula, a seu modo. "Depois a gente discute o resto."