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Realismo contra a inflação

Quem ainda espera um corte de juros neste ano terá de refazer a aposta

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Por Redação
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Quem ainda espera um corte de juros neste ano terá de refazer a aposta, com grande risco de erro, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para o fim de agosto. Até lá o processo de impeachment poderá estar liquidado, com o afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. As condições políticas serão provavelmente melhores para o ajuste das contas públicas, mas é cedo para dizer se o programa do novo governo já estará avançando com rapidez e firmeza. Os dirigentes do Banco Central (BC), membros do Copom, deverão avaliar o andamento e as perspectivas desse programa para decidir se o País estará pronto para funcionar com juros básicos abaixo dos atuais 14,25%. Por enquanto, falta segurança para afrouxar o crédito. Se isso for feito antes da hora, será prejudicado o esforço para levar a inflação em 2017 à meta oficial de 4,5% ao ano.

O compromisso de alcançar essa meta no próximo ano foi reafirmado na ata da última reunião do Copom, realizada na terça e na quarta-feira da semana passada. O documento reafirma também a conclusão registrada em atas anteriores: “Tomados em conjunto, o cenário básico e o atual balanço de riscos indicam não haver espaço para flexibilização da política monetária”. A decisão proporciona mais que um dado técnico para os empresários de todos os setores e para os especialistas do setor financeiro e das consultorias. A mensagem é também política.

Reiterando a disposição de levar a inflação à meta em 2017, os membros do Copom desmontam a expectativa de uma política mais branda – ou dovish, no jargão do mercado – sob a liderança do novo presidente do BC, Ilan Goldfajn. Até agora, o presidente e seus companheiros têm mostrado essencialmente uma preocupação realista com as fontes de pressão inflacionária, sem sinalizar uma inclinação dovish ou hawkish, adjetivos derivados das palavras dove (pombo) e hawk (falcão).

Ao mesmo tempo, os integrantes do Copom indicam uma importante mudança de atitude, o abandono da tolerância a uma inflação muito acima dos padrões internacionais. Essa tolerância foi uma das marcas principais da política econômica a partir de 2011, começo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Se a meta for alcançada no próximo ano ou em 2018, o passo seguinte, espera-se, deverá ser a fixação de um alvo mais ambicioso e mais compatível com uma economia mais ajustada.

Dois obstáculos principais a um afrouxamento da política monetária são apontados na ata. Um deles é a expectativa, dominante no mercado, de inflação acima da meta ainda no próximo ano. A referência citada no relatório do Copom é a Pesquisa Focus, conduzida semanalmente pelo BC. As previsões têm ficado menos pessimistas, mas ainda estão acima das expectativas da autoridade monetária. A ata poderia também ter citado as expectativas dos consumidores, pesquisadas pela Fundação Getúlio Vargas. Também têm melhorado, mas ainda apontam uma inflação próxima de 10% nos próximos 12 meses.

O outro fator é a incerteza quanto à aprovação e à implementação das medidas de acerto das contas públicas. Não basta levar em conta as boas intenções declaradas pelo presidente Michel Temer e por seus ministros econômicos. É preciso saber se haverá apoio político ao programa de ajuste, examinar as principais medidas e ponderar também os possíveis efeitos dessa política na formação de preços. O presidente Ilan Goldfajn mencionou, numa entrevista, o possível impacto negativo de uma elevação da Cide, a contribuição incidente sobre combustíveis.

De toda forma, o Copom aponta como exigência básica o avanço do ajuste das contas públicas. O esforço para aprovação e implementação dessa política é fundamental, segundo a ata, “para facilitar e reduzir o custo do processo de desinflação”. Em outras palavras: quanto mais firme e veloz o ajuste, mais fácil será baixar os juros e alargar o caminho do crescimento. Falta passar essa mensagem de modo mais claro e alto aos congressistas.