Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Recessão nas contas públicas

A recessão torna especialmente complicada a gestão das contas oficiais, porque o baixo nível de atividade enfraquece a receita tributária

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O Brasil se destaca entre os países emergentes pelo tamanho de sua economia, pelo seu baixo dinamismo a partir de 2012, pelo desemprego elevado, pela inflação muito alta e pela situação desastrosa das contas públicas, com enormes buracos e endividamento crescente. Conter esse endividamento é um dos objetivos centrais da nova política econômica, mas para isso será preciso conseguir superávits primários muito robustos. Resultados primários positivos são necessários para o governo pagar pelo menos uma parte dos juros. Isso deixou de ocorrer em 2014 e, na hipótese mais otimista, só ocorrerá de novo em 2019. A recessão torna especialmente complicada a gestão das contas oficiais, porque o baixo nível de atividade enfraquece a receita tributária.

Em setembro, a receita do governo central - Tesouro, Banco Central e Previdência - ficou em R$ 93,64 bilhões e foi 7% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. No ano, a arrecadação acumulada chegou a R$ 938,08 bilhões e foi 9,6% inferior à de igual período de 2015, com valores também ajustados pela variação dos preços ao consumidor.

Como o orçamento brasileiro é pouco flexível, a despesa tende a crescer mesmo quando a arrecadação diminui. Em setembro, o governo central gastou, em termos reais, 2% mais que um ano antes. Nos nove meses de 2016 o aumento foi de 9,2% em relação ao valor gasto entre janeiro e setembro de 2015.

A recessão prejudicou tanto as contas do Tesouro Nacional como as da Previdência. Em outros anos, o Tesouro produziu um superávit suficiente para compensar em boa parte o déficit previdenciário. Em 2016 até esse efeito foi prejudicado pela retração dos negócios e, portanto, pela continuada redução dos tributos. Aquele superávit foi reduzido a R$ 17,38 bilhões, valor 55% menor que o de um ano antes. Ao mesmo tempo, o déficit real da Previdência aumentou 89,5%, atingindo R$ 114,17 bilhões até setembro. O BC também ficou no vermelho e o déficit primário do governo central bateu em R$ 97,25 bilhões, com aumento de 336,2% em relação ao registrado um ano antes.

Até aqui, o governo tem mantido a promessa de evitar a elevação de impostos para fechar suas contas. A promessa é obviamente condicional e seu cumprimento dependerá, até o fim do próximo ano, das dificuldades no cumprimento das metas fiscais. A proposta de Orçamento enviada ao Congresso já foi elaborada com base na PEC do Teto, isto é, de criação de um limite para o gasto federal. A inovação está contida na Proposta de Emenda Constitucional 241, já aprovada na Câmara e agora programada para exame no Senado.

Já incorporando os novos critérios, o projeto orçamentário inclui uma despesa corrigida com base na inflação de 7,2% estimada para este ano. A proposta ainda tramita no Congresso e parlamentares já deixaram clara sua insatisfação. Falta espaço, no Orçamento desenhado para 2017, para as emendas desejadas. A solução, em outros anos, foi reestimar a receita, sempre para mais, e assim acomodar os gastos de interesse de cada um. A partir de agora esse truque deve ser descartado, oficialmente, mas sempre haverá gente disposta a um esforço de imaginação para contornar a barreira.

O governo terá de ficar atento a essa criatividade, mas, ao mesmo tempo, ainda terá de se esforçar para cumprir os objetivos deste ano. Será preciso manter o déficit primário no limite de R$ 170,5 bilhões. Isso vai exigir muito cuidado no gasto e na gestão da receita, mas a tarefa poderá ser facilitada pelo ingresso de impostos e multas sobre a declaração de ativos no exterior.

Se o uso desse dinheiro resultar em aumento da despesa, haverá, quase certamente, gente disposta a usar esse valor como base para a projeção do gasto do próximo ano. Será um lance muito perigoso. Afinal, a receita agora obtida com a chamada repatriação de recursos deve ocorrer só uma vez, sem repetição em 2017. Nenhuma prudência será excessiva. Afinal, o cuidado com o Orçamento está longe de ser uma religião no Congresso brasileiro.