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Reconhecimento internacional

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Por Adib D. Jatene
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Em minha segunda gestão como ministro da Saúde, recebi em audiência duas enfermeiras servidoras do Sistema Único de Saúde (SUS) que atuavam à época no Ministério da Saúde - Heloíza Machado e Fátima de Souza - e me fizeram uma proposta imediatamente acolhida por mim.Tratava-se de combinar dois programas ainda incipientes. O primeiro, dos Agentes Comunitários de Saúde, já ensaiado no Ceará e no Vale do Ribeira (São Paulo) e que tinha sido institucionalizado pelo ministro Alceni Guerra, demonstrando sua eficiência no combate à cólera. E o segundo, mobilizado pelo ministro Henrique Santillo, que criara o Programa Saúde da Família (PSF), implantado inicialmente em 13 municípios de diferentes portes populacionais que voluntariamente aderiram à proposta, visando a um atendimento caracterizado pela restauração do vínculo entre quem prestava e quem recebia atendimento e a responsabilidade de quem prestava para com quem recebia a atenção à saúde.A ideia que me propunham era que se juntassem os dois programas num só, fortalecendo ainda mais o Programa Saúde da Família, estabelecido definitivamente como uma estratégia para implantar de maneira efetiva a atenção primária no País.Escolhida a área onde o programa seria implantado, a população seria dividida em núcleos de 100 a 200 famílias, conforme a concentração menor ou maior da população. Em cada núcleo escolhia-se entre os moradores uma pessoa, geralmente mulher, com participação dos moradores do núcleo.O agente ou a agente tinha como primeira tarefa o cadastramento da população do núcleo, suas condições de habitação e os recursos de saneamento com que contavam. Outra tarefa seria verificar a existência de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, tuberculose, ou qualquer outra condição mórbida. Buscariam as grávidas, verificando a assistência pré-natal oferecida, e buscariam a caderneta de vacinação das crianças, para garantir as vacinas preventivas. Esse cadastramento seria, então, o primeiro contrato com a população, iniciando e estabelecendo o vínculo com a equipe do PSF.Cada 5 ou 6 agentes, o que significava de 500 a 1.000 famílias, eram reunidos em uma unidade básica de saúde e passavam a contar com um médico, uma enfermeira e um ou dois auxiliares de enfermagem. Esse conjunto ficou classificado como uma equipe de saúde da família.A unidade básica poderia comportar até seis equipes, conforme a concentração da população. Nessas unidades atuavam outros profissionais, como odontólogos, farmacêuticos, psicólogos e fisioterapeutas. Enfim, formavam-se equipes multidisciplinares para atender diretamente a população, seja na unidade básica ou nas residências, sempre com a intermediação dos agentes comunitários.Desde o início, ficou claro que o agente não era funcionário público, mas funcionário da população - por isso não podia ser selecionado por concurso público, já que o requisito básico para ser agente era residir no núcleo onde prestava serviço aos seus vizinhos. Portanto, pertencia à comunidade onde trabalhava.Os demais membros da equipe não precisavam morar na área do núcleo, mas tinham de trabalhar em tempo integral. Diversas formas de contratação foram acordadas, e a maioria com entidades filantrópicas que se dedicavam ao setor da saúde.Várias manifestações, em sua imensa maioria favoráveis, começaram a aparecer, inclusive, em revistas científicas que gozavam de grande credibilidade.O British Medical Journal (BMJ 1995; 310; 1346-7), em artigo publicado em 1995, analisava o programa em trabalho cujo título era Cuidados primários, finalmente no Brasil?. A interrogação desobrigava os autores de compromisso com o programa.Passaram-se 15 anos, e no mesmo British Medical Journal (BMJ 2010; 341: c4945) aparece um editorial, apoiado em vários trabalhos publicados, em que reconhecem não só o acerto do programa, mas sugerindo até indicá-lo aos países de alta renda que ainda se debatem na busca de soluções para o problema.Citam números, como: redução da mortalidade infantil, de 48 para 17 em cada 1.000 nascidos vivos; queda, nos últimos cinco anos, de internações hospitalares por diabetes e acidente vascular cerebral; queda de 67% no número de crianças abaixo de 5 anos com baixo peso; 75% das gestantes recebem mais de seis consultas de pré-natal; e a cobertura vacinal com vacina tríplice ultrapassa 95%, número superior ao divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.É claro que esse resultado ressaltado no editorial não ocorreu em razão apenas da implantação do PSF, mas ele é relevante no conjunto de propostas do SUS. Considera o editorial como uma conquista que deve servir de exemplo a outros países o fato de em 15 anos o programa ter conseguido recrutar mais de 250 mil agentes e estruturar mais de 30 mil equipes.Infelizmente, por limitações de várias ordens, inclusive financeira, o programa, embora presente em 93% dos municípios, cobre pouco mais de 85 milhões de pessoas, o que aconselha sua duplicação nos próximos anos, especialmente nas periferias das grandes cidades e áreas metropolitanas, como o município do Rio de Janeiro, que busca agora passar sua cobertura populacional do PSF de 3,7%, em 2008, para 70%, em 2012, com as Clínicas de Saúde da Família.O artigo finaliza com uma frase que honra a todos os participantes desse programa, quando diz textualmente: "Os formuladores de políticas em saúde no Reino Unido têm um histórico em observar os Estados Unidos da América na busca de exemplos de inovação no provimento de atenção à saúde, apesar de seus resultados relativamente fracos e de altos custos. Eles poderiam aprender muito voltando seus olhares para o Brasil."MEMBRO DA ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA, FOI MINISTRO DA SAÚDE